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Tem potencial para ser mais um ponto turístico de Porto Alegre, um local para se chegar mais perto do Guaíba, uma área privilegiada para assistir à alaranjada despedida do sol, sobre grama e sob sombra. O espetáculo de um fim de tarde (ou qualquer hora do dia) no Largo Dom Vicente Scherer, praça em frente à Fundação Iberê Camargo, no entanto, tem cenas de tapar os olhos - e, sobretudo, o nariz de quem frequenta o espaço.
Além de todo o material plástico que as águas devolvem para a cidade e que passam a se acumular nas margens, um passeio por ali também inclui um tortuoso caminho por entre cabeças de bode, galinhas agonizantes - quando já não se espalharam em restos, patas e penas - e lixo, muito lixo. É como se a praça, que também abriga o Recanto Nico Nicolaiewsky, homenagem ao artista morto em fevereiro deste ano, tivesse se tornado um centro de despacho, carniça e descarte iregular de resíduos. Um criadouro de moscas, consequência da falta de cuidado de população e de um impesse dentro da prefeitura.
O descompasso é o seguinte: a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam), responsável por parques e praças da Capital, afirma que o recolhimento de lixo nas áreas próximas ao Guaíba é tarefa do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). Por sua vez, o órgão empurra a função para a secretaria.
- A Smam cuida da grama e da parte superior da praça. No declive, a responsabilidade do recolhimento do lixo é com o DMLU. Mas concordo que a área merece uma maior atenção e limpezas mais regulares, principalmente no fim de semana, quando há um número maior de frequentadores - afirma Léo Bulling, supervisor de Praças, Parques e Jardins.
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O DMLU, por sua vez, garante que atua na varrição da área apenas sob demanda ou quando funcionários percebem que existe a necessidade de um mutirão de limpeza.
- Como em qualquer outra área verde, o departamento tem a função de manter limpos as calçadas e os meios-fios. O interior da área é com a Smam, que deve fazer manutenção periódica e regular. Nós atuamos nesse espaço quando demandados - rebate André Carús, diretor-geral do DMLU.
Foto: Bruna Scirea / Agência RBS
Enquanto um órgão empurra a função para o outro, o lixo se acumula no local - grande parte dos resíduos são restos de rituais religiosos. Zero Hora flagrou, na tarde desta quarta-feira, um grupo de pessoas deixando oferendas na praça. Elas chegaram de carro, largaram o material próximo ao Guaíba e partiram.
- Temos um bom entendimento com as entidades de religiões afro-brasileira. O que ocorre no local são casos isolados, de pessoas que fazem rituais por conta própria. Elas devem recolher o material - afirma Carús.
Federação Afro Umbandista defende limpeza da área após rituais
De acordo com Everton Alfolsin, presidente da Federação Afro Umbandista e Espiritualista do Rio Grande do Sul (FAUERS), que representa cerca de 1200 entidades (terreiro, templo, reino, ilê, etc), a questão ambiental é trabalhada com os religiosos por meio de uma cartilha, lançada em 2000.
- Partimos do princípio que a natureza é o altar de todos. A sujeira, o dejeto, não fazem parte do rito religioso. Os orixás precisam do meio ambiente e, por isso, orientamos os terreiros a trazerem de volta todo o material que a natureza não absoverá - afirma Alfonsin.
Conforme o presidente, existem oferendas ecológicas, de material biodegradável, que se desmancham, por exemplo, na água. Sobre os restos de animais deixados nos locais do ritual, Alfonsin é categórico:
- Nos preceitos religiosos, não existe largar o animal na rua. A carne deve ser comida, o sangue utilizado e as vísceras devem ser enterradas para que virem adubo. Elas não podem ficar expostas. Mas as pessoas continuam acreditando que quanto mais sujeira largarem nas ruas, mais estarão agradando aos orixás.
O Código de Limpeza Urbana, em vigor desde abril deste ano, prevê multas que vão de R$ 263,82 a R$ 4.221,21, conforme a gravidade da infração.
* Zero Hora
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