
Enquanto foliões compram serpentinas, ensaiam marchinhas e recheiam caixas de isopor, o aquecimento de um bloco para a tarde deste sábado incluirá separar os protetores auriculares e uma boa dose de paciência. Moradores da Cidade Baixa, bairro que recebe o maior número de blocos do Carnaval de Rua de Porto Alegre, reclamam de barulho, dificuldade em sair e voltar para casa e sujeira deixada pelo chão a cada edição do evento. Relatam que as ruas não têm estrutura para receber tanta gente.
A festa ocorre em finais de semana desde janeiro. Uma estimativa da Brigada Militar (BM) aponta que o maior público registrado até agora foi no último dia 31, cerca de 35 mil pessoas. A queixa também recai sobre a duração da programação: apenas no calendário oficial da prefeitura, responsável pela organização neste ano, hoje será o oitavo dia em que haverá blocos se apresentando no bairro, e mais dois eventos devem ser realizados até 8 de março.
- Não sou contra o Carnaval, mas são quase dois meses disso - diz a veterinária Daniele Peducia, 30 anos.
Integrante do SOS Cidade Baixa, um grupo de moradores que se organizou no ano passado em decorrência de percalços ocorridos na época do Carnaval, Daniele se incomoda com o que enfrenta após a passagem dos blocos.
- No dia seguinte, tu queres viver o teu bairro, mas a calçada está cheirando a xixi, a vômito, a cerveja, tem cacos de garrafa quebrada - relata.
E com o bloqueio alternado de ruas e milhares de pessoas abarrotadas ao ar livre, a restrição da mobilidade também é um transtorno para os moradores.
Ao menos na maior parte das apresentações, os blocos têm respeitado o acordo com a Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado, cessando a música às 21h. De acordo com moradores, a dispersão não ocorre e a bagunça toma a madrugada.
- Não existe dispersão, mas uma massa tomando bares, esquinas, calçadas até os ônibus voltarem a circular - ressalta o jornalista Marcelo Oliveira da Silva, 48 anos.
Segundo moradores, muitas vezes ouve-se o som de bumbos, pandeiros e caixa de som dos veículos estacionados nas vias. No começo do mês, teve gente que até montou uma mesa de discotecagem na Rua Lima e Silva. A BM interveio.

Após a dispersão, à noite, foliões ficam pelas ruas e bares do bairro. No chão, resta o lixo jogado
Foto: Daniele Peducia, Arquivo Pessoal
Opção por viagem ou saída do bairro
Hermógenes de Oliveira Júnior, representante da Associação de Moradores da Cidade Baixa, diz que muitas pessoas optam por deixar o bairro, posar na casa de parentes ou viajar nos dias de evento. Ele aponta que já houve melhoras em comparação ao último ano - quando a organização foi feita pelo grupo Cidade Baixa em Alta -, mas queixa-se de que são muitos os eventos realizados no bairro: lembra da Copa e também da vida boêmia.
- Querem jogar tudo na Cidade Baixa em função de tradição e história, mas tradição e história não são mais importantes do que a saúde das pessoas - afirma.
Sandra d'Almeida, 52 anos, trabalha na regulação em saúde no Estado e, aos finais de semana, seu expediente começa às 6h. Em noites de Carnaval, não se anima em sair de casa para pegar o ônibus, pois ainda há muitos foliões na rua, e a sujeira toma conta do bairro. Isso sem falar na noite maldormida, quando recorre, às vezes sem êxito, a protetores auriculares. Depois de 18 anos morando no bairro, espera se mudar logo.
CONTRAPONTOS
Leonardo Maricato, coordenador-geral do Carnaval de Rua, defende que houve um esgotamento do espaço público da Cidade Baixa para os eventos festivos, com a Copa e o Carnaval muito próximos, o que teria saturado a comunidade. Mas ressalta que, de acordo com os próprios moradores, há melhora em comparação às edições anteriores.
Com relação à sujeira, afirma que o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) realiza a limpeza por volta da 1h com o carro-pipa - entretanto, se ainda há movimento, limpa-se o espaço que não atinge as pessoas. Na madrugada posterior, é realizada nova limpeza. Maricato afirma que a quantidade de banheiros químicos aumentou. O número de sanitários varia de acordo com o evento - neste sábado, devem ser colocados 60 à disposição. Ao longo do trajeto, são dispostas 40 lixeiras. Leonardo ressalta que, a partir das 21h, é desligado o som. O coordenador afirma que, quando é preciso, como no caso da utilização de carros de som, a BM intervém - dois veículos foram recolhidos.
Em nota, Arthur Credideu, representante do grupo Cidade Baixa em Alta, que realizou o evento em 2014, afirma: "É essencial a presença forte da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), DMLU e BM em eventos assim, e isso quem só pode autorizar é a prefeitura. Ficamos felizes que haja essa evolução no diálogo, o bairro ganha, o evento cresce, a cidade fica mais alegre".