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Família de desabrigados reencontra seu lar: "Tchau, Tesourinha"

Três semanas depois de se verem obrigados a deixar pertences para trás, moradores da Ilha dos Marinheiros se despedem do ginásio que serviu de moradia provisória na Capital

Bruna Scirea

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Omar Freitas / Agencia RBS
Fabiana (centro) e sua família estão, enfim, de volta à casa que tiveram de abandonar — e que segue ameaçada pelas águas do Jacuí

Era como se despedir de um lugar para onde nunca quis ir, mas que por sorte esteve ali quando precisou. Na manhã desta quarta-feira, após dividir um dos principais ginásios de Porto Alegre com outras dezenas de famílias por 17 dias, a dona de casa Fabiana Soares, 35 anos, aguardava a partida de um dos ônibus que devolveria desabrigados das cheias às suas casas, na região das Ilhas.

- Tchau, Tesourinha! - sussurrou, fitando aquele lar provisório pela janela do coletivo.

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No retrovisor, somavam-se quase três semanas de uma Fabiana dividida: a cabeça havia ficado na residência inundada na Ilha Grande dos Marinheiros, e o coração andava distante - junto aos dois filhos mais velhos, acolhidos por amigos na Capital. No horizonte, estava uma mãe que, como reconhece, "precisa ser forte", juntar os cacos e refazer a vida.

- Até porque, além da cama e do fogão, nos restou ainda a esperança para começar tudo outra vez, né? - comentava otimista o marido, Márcio de Castro, 35 anos, lavador de carro e vigia.

O grande dia, o do retorno, foi esperado desde o primeiro fora de casa - mas, de maneira efetiva, só terça ele se mostrou assim, mais próximo. Foi quando Fabiana deixou a caçula Isadora, três anos, com Márcio, tomou um ônibus e foi preparar a casa para receber a família.

- Tirei mais de um palmo de barro lá de dentro, ainda tem um metro de umidade na parede, os armários perderam as portas, os quadros caíram dos pregos, os sapatos boiavam... e tive de matar uma cobra com facão no chão da cozinha - alertava Fabiana aos três filhos, ao marido e à mãe, que sentavam lado a lado, na última fila do ônibus.

E assim seguiram: nove quilômetros de ansiedade até o acesso à ilha. Lá, desembarcaram e rumaram a pé por mais 300 metros, acompanhando o caminhão do Exército que levava colchões, alimentos e materiais de limpeza e higiene que conseguiram com doações. No percurso, vizinhos olhavam pelas janelas, outros se aproximavam dos portões.

- Estamos voltando! - repetia Márcio, sem esconder a alegria.

- Que bom! Agora é trabalho, né? - respondeu uma das moradoras.

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O quintal da moradia 667 da Rua Nossa Senhora Aparecida ainda era feito de barro, o chão voltou a ser de madeira - o adesivo colocado sobre ela se descolou -, e o resto era pura umidade. No primeiro olhar, a filha mais velha, Kellen, 17 anos, não reconheceu a casa que viu. Enquanto soldados e agentes Defesa Civil descarregavam o caminhão, a adolescente girava 360° para tentar se ambientar:

- Tão diferente - resumiu.

Os fundos da moradia, um extenso gramado verde, estão tomados pela água, que veio com força nunca vista nos 16 anos em que moram ali. Além disso, o Rio Jacuí ainda bate na varanda, levando com ele parte do sossego da família.

- Se o vento for Sul, não demora muito para entrar em casa de novo. Tem que torcer para pelo menos não chover mais, mas a previsão não é das melhores - desabafou Márcio, lembrando da chuvarada que deve voltar a partir de quinta.

Nas ilhas, volta para casa é só o começo da retomada da rotina

Dias melhores ainda são incertos, mas a saudade de casa e da rotina os trouxeram na primeira oportunidade. Estão de volta. E um pouco diferentes.

- Tem coisas que a gente aprende. Sempre fui meio materialista, adoro as minhas coisinhas. E a gente vê nessas situações que, no fim, não é bem isso o que importa na vida - refletia Fabiana.

Naquele momento, fundamental mesmo era lavar o barro, pôr ordem em tudo e garantir, após tanto tempo, uma noite de família reunida - até porque à meia-noite já seria aniversário de Giovani, que completa 14 anos. Mas o trabalho ainda parecia ser grande.

- Mãe, a Isadora quer mamar. É quase meio-dia. Daqui a pouco ela começa a dar "piti" - lembrou Márcio.

- Já vou fazer. Mas tem um detalhe: em que sacola ficou a mamadeira? - indagou Fabiana, fazendo todos se voltarem para as dezenas de sacolas que se amontoavam em pilhas, quase trancando o acesso à casa.

Então riram.

#EuAjudo - Como doar

- São necessários alimentos, garrafas de água, produtos de higiene (xampu, desodorante, escova de dente, absorventes e fraldas geriátricas), produtos de limpeza (sabão em pó, esponjas e panos), lonas e velas.

- Esses materiais podem ser entregues no Ginásio Tesourinha (Avenida Erico Verissimo, s/nº), das 8h às 22h, ou no Gabinete de Defesa Civil (Rua Dr. Campos Velho, 426 ), das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira.

- Doações para a reconstrução das casas (móveis, telhas, lonas e madeira) devem ser entregues na sede do Demhab (Av. Princesa Isabel, 1115), das 8h às 20h, de segunda-feira a sábado (no sábado, a entrega deve ser feita pela entrada lateral, na guarita da Rua Conde D'Eu) ou no Shopping Praia de Belas (Avenida Praia de Belas, 1181, Porto Alegre), que está recebendo doações em um espaço no lado sul do andar térreo.

* Zero Hora

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