O Jardim Europa é aquele bairro de condomínios verticais construído a partir do zero ao redor do Parque Germânia, na zona norte de Porto Alegre. Consiste em um paliteiro de torres, e dentro delas estão alguns dos apartamentos mais valorizados da cidade. É um desses lugares onde as pessoas sonham morar, e quem lá vive ganha de brinde uma certa pátina de distinção social.
Às vezes circulo por ali, na condição de pedestre, e devo dizer que a sensação não é entusiasmante. As distâncias parecem imensas, porque não há nada para ver no caminho, apenas muros e grades monótonos, prolongando-se por toda a extensão dos quarteirões. Milhares vivem ali, mas há pouca vida na calçada. Dá vontade de pegar o carro até para comprar um cacetinho na padaria.
Na semana passada, abri parênteses em texto publicado neste espaço para mencionar, de passagem, que havíamos aderido com entusiasmo em Porto Alegre a um modelo de cidade que é gerador de insegurança pública. Ninguém pediu que eu explicasse, é verdade, por isso vou fazê-lo. E me parece que o Jardim Europa é um exemplo a mencionar.
Há meio século, Jane Jacobs publicou Morte e Vidas das Grandes Cidades, livro que se transformou em clássico incontornável e que influenciou o planejamento urbano mundo afora (não tanto aqui na leal e valorosa), ajudando a criar cidades mais humanas e agradáveis. Foi uma façanha que realmente serviu de modelo a toda a Terra, ao contrário de outras.
Um dos preceitos popularizados por Jacobs foi que a existência de atividade humana na rua desempenha um papel crucial na prevenção à criminalidade. A grande força de segurança, demonstrou ela, são os olhos das pessoas comuns espalhadas pelas calçadas e nos térreos. Eles inibem a violência.
Mas esses olhos só estarão presentes se as ruas forem interessantes e convidativas, porque as pessoas fogem de locais inóspitos. Em outras palavras, só haverá olhos se existir algo para olhar.
As pessoas sentem prazer, permanecem mais e gostam de caminhar em vias nas quais há uma diversidade de funções nas construções, em que a cada 10 ou 20 metros exista algo novo em que reparar (seja uma vitrine ou uma fachada diferente), em que as calçadas ofereçam espaço para o convívio, em que se misturem comércio, moradia e locais de trabalho, em que a circulação pesada de automóveis não torne o ambiente irrespirável. Quando esses requisitos são atendidos, existe movimento, e as pessoas se sentem mais seguras. E, na verdade, estão mais seguras.
O modelo em ascensão na Capital segue a lógica contrária. Ele tira a cidade de dentro da cidade. Baseia-se em sugar a vida das ruas e confiná-la em condomínios fechados e shopping centers. É o caso do Jardim Europa, contíguo não apenas a um, mas a dois shoppings mastodônticos, o Bourbon Country e o Iguatemi.
Curiosamente, esses espaços comerciais atraem multidões porque seus arquitetos, na comparação com os planejadores públicos, entendem melhor aquilo que funciona: vias exclusivas para pedestres, nenhum carro à vista, coisas diferentes para apreciar a cada passo e uma profusão de espaços de lazer.
Do lado de fora, em oposição a isso, já não restam olhos para nos proteger, só câmeras de segurança. E um vigilante em cada esquina.