Correção: As atividades de segurança do Cais Mauá estão sob os cuidados da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), e não da SPH e da Marinha, como esta reportagem informou entre as 3h e as 18h56min do dia 18 de maio. A informação foi corrigida no texto.
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O consórcio Cais Mauá do Brasil anunciou que investiria cerca de R$ 500 milhões na remodelação do porto da Capital, mas tem mostrado dificuldade até para pagar contas modestas, de R$ 65. Segundo levantamento feito por ZH, o grupo que venceu a concorrência para a revitalização do local deve pelo menos R$ 1,29 milhão a fornecedores e poder público. Além das dívidas, o consórcio tem atracado em seu porto ações judiciais solicitando a rescisão do contrato e apontamentos de problemas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), como ausência de comprovação financeira para fazer a obra.
Outra questão é que empresas acionárias da Cais Mauá do Brasil S/A sofrem na Justiça uma ação de arresto – quando um credor pede a apreensão judicial de bens do devedor como garantia para quitação da dívida. O processo envolve uma cobrança de R$ 5,8 milhões, cujo motivo não está especificado nos autos públicos, e a Justiça determinou liminarmente o arresto de 51% das cotas sociais do consórcio. A empresa vive uma situação que coloca em dúvida sua capacidade para revitalizar a área.
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O primeiro sinal de tal instabilidade foi dado ao governo do Estado em 2010, quando o consórcio não comprovou a estruturação financeira exigida no edital de licitação e no contrato de arrendamento da área com a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH). A questão foi apontada em inspeção especial do TCE instaurada em 2013 para fiscalizar o contrato, ainda não julgada, obtida por ZH pela Lei de Acesso à Informação. Tanto o edital quanto o contrato exigiam que a arrendatária apresentasse, em no máximo 180 dias, contratos firmados com patrimônio líquido mínimo de R$ 400 milhões, sob pena de "caducidade do contrato". Até a última peça de informação produzida pelo TCE, em fevereiro, a Cais Mauá não havia apresentado a garantia.
Por meio de assessoria de imprensa, a Secretaria dos Transportes, que respondeu pela SPH, afirmou que a capacidade financeira do consórcio exigida "foi analisada recentemente pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) e permanece em conformidade", mas não informou se a garantia de R$ 500 milhões foi apresentada. Anexado ao relatório do grupo de trabalho montado pelo governo do Estado e pela prefeitura para acompanhar a obra, publicado em março, o posicionamento da Cage era de que "a cláusula não estava sendo cumprida". O órgão questionou "a necessidade de manutenção da cláusula" e teve posição apoiada pelo grupo de trabalho, que argumentou risco de "onerosidade excessiva" ao consórcio.
O Movimento Cais Mauá de Todos, crítico ao projeto, questiona a posição do governo. Uma das representantes do grupo, a advogada Jaqueline Custódio, afirma ter ficado "espantada" com o relatório que, segundo ela, não prioriza o interesse público:
– Eles dizem que aquela cláusula (que exige garantia de R$ 400 milhões) estaria ali caso o consórcio fosse pedir um empréstimo. Por que entrou no edital, se não é para garantir a execução da obra?
A advogada argumenta que isso inviabilizou a participação de outros grupos na licitação, mas agora o governo "mudou a regra do jogo no meio do campeonato, dizendo que a cláusula não precisa ser cumprida". A Cais Mauá afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que "o questionamento do TCE foi atendido e a capacidade financeira foi demonstrada cabalmente", mas também não informou se apresentou a garantia dos R$ 400 milhões.
Empresa tem cobranças que vão de R$ 65 a R$ 291 mil
Quanto às dívidas com as terceirizadas, o consórcio tinha, até 6 de março, 10 cobranças em pelo menos três tabelionatos de protestos da Capital, somando R$ 755.206,44. A maior credora é a empresa de gerenciamento de projetos Geconsul, com sede em Caxias do Sul, que cobra R$ 291.444 por serviços prestados.
– É um prejuízo consistente, que traz dificuldades – disse o engenheiro proprietário da empresa, Nido Costa, que preferiu não dar mais detalhes sobre a dívida.
A segunda maior credora é a empresa de vigilância Gocil, com sede em SP, que cobra em três parcelas a quantia de R$ 268.750,44. Por meio de nota, a assessoria de imprensa da empresa afirmou que não abre "detalhes de contrato de fornecedores". A paulista não é a única empresa de segurança a cobrar em tabelionato serviços prestados ao consórcio. A gaúcha Dielo pede, em três parcelas, o valor de R$ 191.282. Atualmente, as atividades junto ao portão principal estão sob cuidados da SPH, embora sejam de responsabilidade da arrendatária.
Nos tabelionatos, o consórcio não coleciona apenas dívidas de alto valor. Desde a última Feira do Livro, a Cais Mauá deve R$ 3,6 mil à Barth Embalagens, que confeccionou 5 mil sacolas promocionais para o evento.
– Esperamos quase dois meses depois do vencimento da cobrança para colocar em cartório o título protestado – explica o proprietário da Barth, Fernando Esteller.
Também tem quem cobre R$ 130 da Cais Mauá. A empresa LC Locações de Containers pede o pagamento de duas parcelas de R$ 65, vencidas desde novembro.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Cais Mauá do Brasil afirmou que os atrasos no pagamento de alguns fornecedores "devem-se ao fato das licenças (para execução da obra) estarem atrasadas em relação ao previsto no cronograma do projeto". O consórcio acrescentou que pretende quitar as dívidas assim que obtiver tais licenças ou um financiamento, "ao menos em valores para liquidar as situações mais críticas".
Credores solicitam apreensão de bens de empresas que compõem consórcio
Além das cobranças em tabelionato, há uma ação de arresto envolvendo as acionárias da Cais Mauá. O processo foi movido em dezembro de 2013, mas citado pelo TCE neste ano.
Na ação, os autores cobram R$ 5.803.546,58 de empresas que compõem o consórcio, mas o motivo da dívida não está nos autos públicos do processo. Em dezembro de 2014, o juiz Eduardo Kothe Werlang deferiu liminarmente o arresto de 51% das ações do capital da Cais Mauá, alegando que quatro das empresas devedoras são espanholas "sem patrimônio no solo brasileiro para responder pelas obrigações perante à Justiça pátria" e que "o capital societário das participantes brasileiras é insignificante para operarem o negócio". Pela atual composição da Cais Mauá, os 51% das ações emitidas pela empresa são detidas pela GSS Holding, principal acionária.
Na inspeção do TCE, há a informação de que a Cais Mauá alegou não ser parte do processo judicial, pelo fato de o arresto envolver a acionária. No entanto, a equipe de auditoria entende que, sendo a GSS Holding a atual controladora do consórcio, o governo precisa acompanhar o processo "com intuito de se precaver quanto a possíveis impactos do litígio sobre o Projeto de Revitalização do Cais Mauá". Apesar de o governo ter conhecimento do processo, a ação de arresto não foi citada nas 78 páginas do relatório do grupo de trabalho que acompanha o contrato. Questionada sobre o fato, a Secretaria dos Transportes informou que, "no entendimento do grupo de trabalho, (a ação) não interferia na qualificação econômico-financeira apresentada pelo consórcio, uma vez que não havia decisão judicial definitiva".
Outro apontamento do TCE diz respeito ao valor de arrendamento, espécie de aluguel pelo uso da área, que teve pagamento temporariamente suspenso a pedido do consórcio. A auditoria afirmou que, no período de análise do pedido, entre abril e maio de 2015, "o valor mensal pago pela arrendatária deveria ter sido integral". Nesse caso, a Cais Mauá estaria devendo R$ 535.237,32 à SPH. Questionado, o governo apenas informou que os pagamentos estão suspensos desde março de 2015, "em razão da não obtenção das licenças necessárias para a realização das obras", conforme previsto no contrato de arrendamento.
Ações judiciais pedem rescisão do contrato com a Cais Mauá
Os itens do edital de licitação e do contrato de arrendamento entre Cais Mauá do Brasil e governo do Estado, que teriam sido descumpridos, motivaram duas ações populares pela rescisão do acordo. A primeira tramita na Justiça Estadual desde setembro de 2015, e a segunda foi encaminhada à Justiça Federal em abril deste ano – uma vez que o contrato é acompanhado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
A advogada Jaqueline Custódio, do Cais Mauá de Todos, afirma que as ações foram movidas por integrantes do grupo e de outras organizações não governamentais contrárias ao projeto. Além da falta de garantias financeiras, estão entre os argumentos outras questões apontadas pelo TCE.
Entre elas está o fato da Cais Mauá ter mudado pelo menos três vezes de composição acionária sem comunicação prévia. Embora o grupo de trabalho do governo tenha afirmado, em relatório, que as novas empresas atendem às qualificações econômico-financeira e técnico-profissional previstas no edital e no contrato, os autores da ação argumentam que duas das acionárias estão envolvidas em investigações da Polícia Federal (PF). A Cais Mauá também teria descumprido prazos de projetos e de obras de manutenção
– Além disso, itens apresentados no projeto inicial que conquistaram a população foram excluídos ou modificados, como o prolongamento da Praça Brigadeiro Sampaio – afirma Jaqueline.
A Cais Mauá afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que os projetos "foram sendo desenvolvidos e ajustados conforme orientações prévias dos órgãos competentes" e que os questionamentos do TCE sobre atrasos "estão sendo respondidos". O projeto arquitetônico, conforme o consórcio,
"só será protocolado junto à prefeitura após a aprovação do EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística), conforme o processo normal".
Quanto ao envolvimento de acionárias em investigações da PF, a empresa afirmou que não tem conhecimento de fatos envolvendo acionistas do consórcio.
Prefeitura quer revisão de itens do projeto
Apesar dos problemas financeiros, o consórcio estampava em seu site oficial ter tido um "fim de ano positivo" em 2015. A comemoração era por causa da aprovação por parte da prefeitura do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA-RIMA) da obra. Antes que a área vire um canteiro de obras, a empresa precisa que a prefeitura aprove seu Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), entregue na mesma data da aprovação do EIA-RIMA, 23 de dezembro do ano passado.
O estudo busca analisar o impacto que a obra trará nos sistemas viário, habitacional e produtivo. A Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge) concluiu a apreciação do EVU em 23 de março e pediu mais de 40 alterações ou esclarecimentos. O parecer foi apresentado à Cais Mauá em 5 de abril, com prazo de 90 dias para respostas.
– A ideia é ter conectividade entre os espaços, com prioridade aos pedestres – afirmou o secretário de Urbanismo da Capital, José Luiz Fernandes Cogo.
Segundo ele, uma das propostas da prefeitura é a diminuição do número de vagas de estacionamento previstas no projeto. Cogo afirma que o Executivo fez uma pesquisa com os estacionamentos que já existem próximos à área e identificou ociosidade de vagas nos finais de semana.
– A ideia é priorizar o transporte coletivo, ir de ônibus ao local. Por isso, também sugerimos um coletivo interno que transite pelo Cais, como VLT (veículo leve sobre trilhos) ou bonde, para que as pessoas não tenham de caminhar quatro quilômetros ali.
A Cais Mauá do Brasil afirmou que pretende atender às solicitações das secretarias dentro do prazo estipulado.
EM REVISÃO
Veja os principais pedidos de alterações ou esclarecimento pedidos pela prefeitura à Cais Mauá
Estacionamentos e garagens
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– Rever o estacionamento aberto proposto ao lado da Usina do Gasômetro, para qualificar a paisagem.
– Detalhar os edifícios propostos à garagem quanto à fachada e à volumetria, a fim de preservar o entorno.
– Considerar a isenção de vagas de estacionamento exigidas para os armazéns, para diminuir a poluição gerada pelos carros e incentivar a utilização de transporte coletivo.
– Justificar por que não serão implantadas as garagens subterrâneas.
– Rever o estacionamento para que o pavimento térreo do centro comercial fique liberado para ser mais permeável e interligado.
– Apresentar solução para o conflito entre a circulação de pedestres e as vagas de estacionamento no trecho entre o acesso da Ramiro Barcelos e Praça Edgar Schneider.
Acesso a pedestres
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– Detalhar o acesso A pedestre proposto para Av. Pe. Tomé, considerando a conexão com esta área do Centro Histórico.
– Quanto à passarela prevista para conexão entre a Praça Brigadeiro Sampaio e o Centro Comercial, considerar passagem de nível com prolongamento da Rua dos Andradas.
– Apresentar acessos de pedestres que tenham relação com os roteiros turísticos a pé elaborados pela Secretaria Municipal de Turismo.
Transporte coletivo
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– Demonstrar implantação de transporte coletivo local ao longo da via interna do cais que interligue os empreendimentos.
– Indicar locais de desembarque de ônibus próximo ao empreendimento, considerando a acessibilidade dos pedestres sem exceder 150 metros de distância.
Shopping
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– Apresentar detalhamento da edificação proposta para o shopping, para possibilitar a análise sobre a compatibilidade das novas edificações com os bens tombados.
Torres comerciais
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– Considerar a possibilidade de inversão de posicionamento entre as torres 1 e 2 em nome da proximidade com os armazéns
– Apresentar proposta de miscigenação de atividades nas torres, contemplando uso comercial na base, de forma a qualificar as relações entre os espaços públicos e privados.
Terraços e áreas verdes
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– Esclarecer o uso dos terraços e das áreas verdes e informar se têm acesso direto ao público.
Armazéns
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– Esclarecer o uso dos armazéns voltados às atividades culturais.
Fonte: Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge) da prefeitura de Porto Alegre
EM QUE FASE ESTÁ A REVITALIZAÇÃO
– EIA/RIMA: aprovado em dezembro de 2013.
– EVU: em análise. A Cais Mauá tem até junho para atender aos pedidos da prefeitura.
– Projeto arquitetônico: precisa ser enviado à prefeitura em até 18 meses após a aprovação do EVU.
– Licença de instalação: deve ser emitida em até 30 dias após a aprovação e licenciamento do projeto arquitetônico.
– Vistoria predial: sem prazo definido.
– Habite-se: depois da vistoria.
– Licença de operação: depois da emissão da Carta de Habitação.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado (TCE)