
Vinte e quatro dias depois de assumir a prefeitura de Porto Alegre, Nelson Marchezan apresentou um cenário de calamidade financeira na Capital na manhã desta quarta-feira e inflamou as relações com o seu antecessor no cargo.
Enquanto Marchezan apontava dívida não paga de R$ 507 milhões em 2016, que deverá se somar a rombo estimado de R$ 815 milhões neste ano, o ex-prefeito José Fortunati acusava o sucessor de "inflar" os números e de "vender o caos". A despeito da controvérsia sobre o tamanho e a origem da crise, a falta de dinheiro deverá provocar atraso de salários depois de fevereiro e comprometer serviços e obras.
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Em uma sala do Paço Municipal, rodeado por secretários convocados para a apresentação batizada como "A prefeitura que recebemos", Marchezan afirmou que o montante de R$ 1,3 bilhão em pendências exigirá ações de impacto:
– Não dá mais para administrar essa crise ou tapar o sol com a peneira.
Medidas já adotadas incluem corte de cargos de confiança, aplicação de teto na remuneração de servidores e renegociação de contratos em vigor, entre outras ações. Novas iniciativas deverão envolver contenção de gastos, redução de repasses para Carris e EPTC e restrições a locações de imóveis.
A dívida de R$ 507 milhões apontada por Marchezan é quase três vezes maior do que o valor informado por Fortunati antes de deixar a prefeitura. Além dos pagamentos de fornecedores em atraso (R$ 140 milhões), o prefeito incluiu R$ 390 milhões em empenhos anulados, despesas não empenhadas e saques do caixa único – composto basicamente por recursos do salário-educação, do Funcriança e do Fundo de Iluminação Pública, entre outros itens.
– Essa não é uma situação oriunda só da crise. Também é fruto das escolhas feitas ao longo dos anos pelo poder público e pela sociedade – disse o prefeito.
Pelo Twitter, Fortunati reagiu: "Ele (Marchezan) simplesmente ignora a maior crise econômica que o Brasil enfrenta desde a quebra da bolsa em 1929". Em entrevista por telefone, foi além:
– Marchezan está inflando os números na tentativa de vender o caos e depois posar de salvador da pátria.
– Não é discurso de caos, é um relato transparente da cidade que nós temos – rebateu Marchezan.
Ex-secretário municipal da Fazenda, Eroni Numer confirmou o valor da dívida com fornecedores e reconheceu os resgates feitos no caixa único, os empenhos anulados e parte das despesas sem empenho (R$ 45 milhões). Mas fez ponderações.
Segundo Numer, não há obrigatoriedade de devolução imediata do dinheiro sacado do caixa único, o que significa que Marchezan não precisa, necessariamente, repor o que foi retirado (R$ 143 milhões). Além disso, Numer afirmou que os empenhos cancelados (R$ 104 milhões) são serviços contratados e não entregues, que só terão de ser pagos se forem cumpridos.
– Os R$ 507 milhões apontados por Marchezan não podem apresentados como déficit e, na nossa avaliação, não representam a dívida da prefeitura – disse o ex-secretário.
Atual secretário da Fazenda, Leonardo Busatto admitiu, mais tarde, que Numer tem razão ao afirmar que não se trata de "déficit" nas contas – cujo cálculo exclui saques no caixa único e empenhos anulados. Nem por isso, destacou, "os problemas deixam de ser gravíssimos". A diferença, segundo Busatto, é que a atual gestão "não quer adotar soluções temporárias".
– O fato é que a dívida existe. Nem toda é exequível no curto prazo, é verdade, mas é dívida. Um dia teremos de devolver o dinheiro do caixa único. Ou queremos seguir o mesmo destino do Estado? O "sempre foi assim" quebrou o Brasil – afirmou Busatto.
O secretário informou que a prefeitura disponibilizará no seu site a relação completa dos fornecedores com pendências, dos empenhos anulados e das despesas sem empenho.