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Nos últimos meses, a Rua João Alfredo, na Cidade Baixa, começou a receber mais gente nas noites de quinta a domingo do que nunca. Um público diferente, segundo donos dos bares da redondeza – são dezenas, abertos, em geral, até as 2h. Parte adotou o local depois que bares fecharam no Centro. São mais jovens do que os frequentadores tradicionais; levam isopor e muitas vezes escutam música em carros estacionados, entrando só eventualmente em algum bar.
Quando a reportagem chegou à João Alfredo, às 21h45min de sexta-feira do dia 28, havia pouca gente na rua. O silêncio era quebrado pelos estudantes Vagner Hipólito, 19 anos, e Vinicius Stromdahl, 18 anos, e seu grupo de amigos. Munidos com violão e gaita de boca, sentaram-se na porta de um estabelecimento fechado para tocar. Costumam ir para a rua na Cidade Baixa para encontrar os amigos, tocar e beber – em geral, cachaça.
– Vinho é quando "tamo grande" – emenda Vinicius.
Sentada na porta de outro prédio mais adiante, a assistente administrativa Danielle Hernandes, 24 anos, veio de metrô de Canoas para curtir a noite na rua.
– A gente encontra um monte de gente conhecida aqui – justifica ela.
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O movimento começa a se intensificar por volta da meia-noite. Mesmo quando muitos bares fecham as portas, por volta das 2h, as pessoas não vão embora. Até porque tem vendedores ambulantes vendendo comida e bebida na rua – pelo menos quando não fogem da fiscalização. Na madrugada do dia 29, chegaram a recolher seus produtos e correr: acharam ter visto alguém da prefeitura.
– Eles se encarnam mais na cerveja, em função dos bares, mas é bom não ficar para ver – diz Sérgio Antunes, 47 anos, que vendia churrasquinho na Osvaldo Aranha até 2006 e, atraído pelo movimento, começou a ir até a João Alfredo há meio ano.
Passa das 4h, e muita gente ainda tomando as ruas. Garrafas quebradas, sacolas plásticas, latinhas vão ficando pelo caminho – suvenires que os moradores encontrarão pela manhã.
Donos de bares dizem que público mudou
Proprietário de um bar e restaurante, Rodrigo afirma que, há alguns meses, percebeu uma mudança no perfil dos frequentadores da Cidade Baixa. Depois que bares do Centro fecharam, parte dos clientes escolheu a João Alfredo, relata.
– Do ano passado para cá, começou a vir uma galera do funk, que fica bebendo na calçada e curte mais a rua do que entrar nos lugares. Isso incomoda os comerciantes: essa galera não vem consumir e, de certa forma, agride quem vem (consumir) – argumenta o empresário.
Outro comerciante afirma que, desde o Carnaval, a Cidade Baixa tem recebido um público mais jovem, com mais menores de idade, e de menor poder aquisitivo.
– Antes, vinha um pessoal na faixa de 30 e poucos anos. Depois, acabou vindo um pessoal mais jovem e parte do público antigo deixou de vir – afirma.
Dono de um pub na João Alfredo, Ricardo reclama da concorrência desleal gerada por um bar que, por meio de uma janela, vende bebidas a quem está na rua. Com preços menores do que os cobrados dentro das casas noturnas, conforme Ricardo, o local atrai centenas de pessoas a cada noite, sem oferecer aos clientes estruturas básicas, como banheiros, por exemplo. Com isso, os frequentadores acabam urinando na rua – um muro nas proximidades foi pintado com a inscrição "WC", uma sugestão para os clientes aliviarem-se.
– Perdi toda a minha clientela, 99%, porque ninguém mais consegue chegar aqui – reclama Ricardo. – Eles dizem: "A rua é nossa, nós que mandamos".
Tiros e assaltos são comuns
Na noite em que ZH esteve na rua, também se ouviu tiros ali na João Alfredo, mas não era de bala de borracha. Um jovem foi socorrido pela Samu após ser baleado na perna perto da esquina com a Luiz Afonso. Um amigo relatou que eles tinham até o local para fazer xixi e foram abordados por três homens. ZH tentou buscou informações no posto policial do Hospital de Pronto Socorro (HPS) e com a 1ª Delegacia de Polícia, mas não localizou o registro de nenhuma ocorrência. Nicolau de Paula, 34 anos, segurança que fica na porta de um dos bares da rua, observa que a violência já é tão recorrente no bairro, que os tiros nem geram mais grande espanto.
– Está virando rotineiro. Como se não fosse nada, o pessoal continua bebendo – diz.
Outros crimes, menos graves, também são recorrentes. É possível flagrar homens pichando os prédios, sem muita preocupação em esconder seu rosto. Até uma limusine foi alvo de pichadores. Enquanto o luxuoso veículo atravessava a João Alfredo, um rapaz foi acompanhando e pintando uma sigla inteligível nas portas – enquanto muita gente jogava gelo e outros objetos no carro.