Escondidos no segundo andar do Mercado Público, os 12m² da barbearia do seu Jenecy são protegidos pela imagem de Nossa Senhora de Fátima. Ainda que digam pelos corredores que já faz muito tempo que ele trabalha ali, o barbeiro nega:
- Não é muito, não.
Para logo depois, com um sorriso, emendar a verdade:
- Faz quarenta anos.
Dentro da Barbearia Central, Carlos Jenecy de Oliveira, 75 anos, mantém com trivialidade parte dos equipamentos que entraram com ele no mercadão na década de 1970. Como uma navalha Solingen que, estima, tenha oito décadas, e uma máquina manual, com a qual o pai cortava seu cabelo e dos irmãos quando moleques.
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Claro que esses apetrechos ele não usa mais: deram lugar a lâminas e aparelhos elétricos em função da facilidade. Mas as cadeiras da marca paulista Ferrante, amarelas com estofado marrom, não perderam a utilidade. Na verdade, antes de servir aos clientes de Jenecy, já foram de outro barbeiro, durante outras quatro décadas. E ainda sobreviveram a um incêndio: o que atingiu o Mercado no final da década de 1970.
- Sobraram só as cadeiras (que ficaram chamuscadas), uma imagem do Padre Reus e mais uma tesoura - conta.
No incêndio de 2013, sua barbearia não foi atingida. Mas nem por isso sofreu menos:
- É uma tristeza. Aqui é a segunda casa da gente.
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Seu Jenecy é filho de pescadores do Belém Novo, o único de sete irmãos que não quis seguir na atividade. Ele ainda mora no bairro do extremo sul de Porto Alegre: todo dia encara uma hora na lotação para ir ao Centro e uma para voltar. Ele se orgulha de ter cortado cabelo e bigode de gerações de pais e filhos.
- Criança que vinha cortar o cabelo, que eu tinha que botar uma "taubinha" pra alcançar, hoje traz o filho aqui. Aí que a gente vê que está ficando velho - diz ele.
Na barbearia do seu Jenecy, foram discutidas incontáveis escalações da dupla Gre-Nal, sem falar nos acalorados debates sobre política.
- A gente fala de tudo. Também tem gente que dorme na cadeira dele, conversando. Daí ele bate nela: "acorda, acorda" - ri o balconista André Cosme, cliente há 25 anos.
Para o alento da freguesia fiel, o barbeiro ainda não faz planos de se aposentar.
- Estou aí, "sobrando" ainda - ri. - E vou ficar no Mercado até o último dia que eu puder trabalhar.
Jenecy e o balconista André, freguês há 25 anos
Foto: Jéssica Rebeca Weber/ Agência RBS
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