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Os estudantes que cursam hoje o Ensino Médio podem acabar nem sendo afetados pelas mudanças propostas pelo governo federal, mas têm muito a dizer sobre como seria passar por elas. Alunos do 1º, 2º e 3º anos da última etapa da Educação Básica – considerada o gargalo do ensino no Brasil – conhecem os problemas e os pontos positivos do currículo atual, que embasa seus estudos diários.
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E partem dessa experiência para dizer que a reforma traria vantagens, mas ainda enche de dúvidas a cabeça de cada um deles.
Definida sob três alicerces (flexibilização do currículo, maior carga horária e incentivo ao turno integral), a reforma publicada por meio de medida provisória (MP) no final de setembro só deve começar a valer a partir de 2019. Zero Hora conversou com 15 alunos de escolas públicas e privadas de Porto Alegre para saber o que eles pensam sobre as mudanças.
Os estudantes ouvidos acreditam que essa etapa do ensino precisa de uma atualização. Perguntam-se, porém, como seria e adaptar-se às propostas. Muitos sentem-se inseguros para definir quais matérias seriam mais importantes para formação e temem que acabariam escolhendo o caminho mais fácil e não o mais adequado. Outros não enxergam vantagem em ter mais aulas se a mudança não vier acompanhada de mais qualidade. Há ainda quem afirme que não vê a própria escola, nas atuais condições, adaptando-se ao ensino em tempo integral.
Aluna de escola pública na Capital, Adriana Pereira de Paula, 16 anos, já se sente capacitada para definir quais matérias seriam prioritárias para ela, mas acha que a reforma precisaria ser discutida.
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A jovem garante que preferiria errar na escolha de qual área seguir ainda no Ensino Médio, e não quando já tivesse optado por um curso na faculdade. Ela também recebe bem a ideia de que a oferta da formação técnica e profissional passará a ser obrigatória, se a mudança for aprovada na Câmara e no Senado.
– Iria nos ajudar, seria mais uma coisa para botar no currículo. Desde que eu pudesse escolher, não me importaria até de mudar de colégio, sendo que estaria melhorando meu ensino – diz a estudante do 2º ano do Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot.
O ponto de interrogação para ela, porém, seria como se adaptar ao ensino em tempo integral, que deve ser implementado em pelo menos 50% das escolas públicas até 2024. Adriana e vários colegas fazem estágio no turno inverso aos estudos, seja para ajudar a pagar as contas em casa ou para adquirir experiência profissional. Na situação atual, eles garantem, não conseguiriam estudar o dia inteiro.
Para quem já passou por uma experiência semelhante à proposta pelo Ministério da Educação (MEC), que buscou inspiração em modelos de países que não instituem o currículo único no Ensino Médio, a reforma traz mudanças úteis, ainda que traga desafios para as escolas.
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Mariana Bonamigo, 17 anos, passou um semestre nos Estados Unidos cursando high school – a última fase da Educação Básica americana. Durante esse período, escolheu cinco matérias em que focaria os estudos, uma decisão semelhante à que os estudantes brasileiros precisarão tomar na metade da formação nessa mesma etapa, conforme o texto atual da reforma. Ela explica que lá, como deve passar a ser também no Brasil, todo aluno precisa fazer cada disciplina até determinado nível, mas depois decide em quais quer se especializar.
– É totalmente diferente do Ensino Médio no Brasil, como é hoje. Você não precisa fazer todas as matérias: escolhe algumas e as estuda muito bem, com uma carga horária bem maior do que aqui – afirma a aluna do 3º ano do Colégio João Paulo I.
Essa questão ainda traz muitas dúvidas em terras brasileiras. Apesar de a versão publicada da medida provisória, que passou por uma revisão do MEC, não decretar o fim de disciplinas como artes, educação física, filosofia e sociologia, elas e outras, como química, história e biologia, talvez não precisem ser frequentadas por todos os alunos ao longo dos três anos, já que cada um poderá definir que caminho seguir.
Entre o protagonismo e a imaturidade
Ao anunciar a reforma, representantes do Ministério da Educação (MEC) argumentaram que era preciso garantir protagonismo ao jovem, dando oportunidade de escolher que rumo tomar. Estudantes atualmente matriculados no Ensino Médio, contudo, nem sempre se veem preparados para fazer aos 16, 17 anos, escolhas que poderão definir, ao menos em parte, sua vida adulta.
Uma das principais dúvidas dos jovens é saber se eles estariam preparados para escolher focar sua educação em matérias de ciências humanas, por exemplo, deixando de lado – talvez completamente – disciplinas como biologia e física durante metade da formação. E se, no meio do caminho, eles descobrissem que a trilha escolhida não era a que desejavam?
– A gente não tem maturidade para definir o que quer ainda. Sempre imaginei que eu fosse de exatas, de (ciências) naturais, e decidi, neste ano, que meu curso seria de humanas. Como eu teria preparação para entrar nesse curso se tivesse definido outra ênfase durante a formação? – indaga Maitê Santos, 17 anos, aluna do 3º ano do Colégio Estadual Dom João Becker.
Para educadores e psicólogos, fazer escolhas é parte da vida, e ter de definir um rumo ainda na juventude é também uma forma de preparação para a fase adulta. Mas é preciso garantir que esses estudantes serão preparados, desde o 1º ano do novo Ensino Médio, para decidir com consciência.
– Frustrações e erros são inerentes a todas as etapas do desenvolvimento, mas tenho percebido que os alunos vinculados ao Ensino Médio estão apreensivos com a possibilidade de reforma e julgam que teriam dificuldades para fazer as escolhas previstas – descreve a doutora em Psicologia e professora da Unisinos Angela Helena Marin.
O protagonismo dos jovens, desejado pelo MEC, não poderia significar simplesmente que seja delegada a eles uma escolha importante. Seria preciso prepará-los para tanto. Assim, mesmo que errassem, estariam aprendendo – inclusive que podem voltar atrás nas decisões.
– Nesse momento da vida, pode ser bastante prematura a escolha de uma carreira. Mas é preciso ficar claro que essa não necessariamente será uma escolha para a vida, esse é um pensamento equivocado. Atualmente, o jovem tem a sua disposição muitas possibilidades de cursos, de processos de formação. É, sim, uma escolha muito importante, mas não é para toda a vida, porque muita coisa pode mudar pelo caminho – explica Cristiane Ramos Vieira, professora de pedagogia na Feevale.
Com a palavra, os jovens
Veja a opinião de alunos sobre as principais mudanças no currículo do Ensino Médio
Currículo flexível
"Acho a ideia bastante interessante. A mudança não vai nos trazer problema algum, e não vamos precisar estudar matérias que não vamos usar."
Adriana Pereira de Paula, 16 anos, aluna do 2º ano do Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot
"Os alunos iriam deixar de pensar no que seria importante para eles e escolher as matérias que fossem mais fáceis de passar."
Alice Moura, 16 anos, aluna do 2º ano do Colégio Estadual Dom João Becker
Currículo comum
"O ensino obrigatório que a gente tem hoje é necessário para formar o caráter, a cabeça da pessoa."
Douglas da Silva Silveira, 16 anos, aluno do 2º ano do Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot
"Não vejo nenhuma matéria como a mais importante, todas são fundamentais. Você precisa ter uma base de todas."
Rafaela Amestoy, 15 anos, aluna do 2º ano do Colégio Santa Inês
Ensino técnico
"Toda opção extra que o colégio disponibiliza é sempre válida. Quanto mais opções, mais os alunos vão poder tirar das aulas."
Carina Anzolch Crestani, 17 anos, aluna do 3º ano do Colégio João Paulo I
"A gente precisa, sim, ter contato com o mercado de trabalho. Acho legal colocar como disciplina, mas talvez fosse melhor como algo optativo."
Alice Apellaniz, 17 anos, aluna do 3º ano do Colégio Santa Inês
Carga horária maior
"Acredito que só ter mais horas de aula não vai influenciar em nada se não tiver qualidade."
Nikole Iwanczuk, 15 anos, aluna do 1º ano do Colégio Estadual Dom João Becker
"Acho que essa ampliação da carga horária é benéfica para o aluno que está se preparando para o Enem ou para o vestibular, ele vai acabar estudando mais."
Marcelo Iglesias, 17 anos, aluno do 3º ano do Colégio João Paulo I
Sente-se pronto?
"Não estaria pronto para dar ênfase em nenhuma matéria. Se o currículo novo entrasse em vigor hoje, ficaria perdido."
Marcelo Simoneto Machado, 16 anos, aluno do 2º ano do Colégio Santa Inês
"No momento, eu não saberia escolher as matérias que acho importantes para mim e aquelas que tanto faz. Seria ruim."
Jade Chagas, 18 anos, aluna do 3º ano do Colégio Estadual Dom João Becker