

Não é segredo para ninguém que, com a chegada do verão, o delicioso litoral do sul de Portugal - mais conhecido como Algarve - fique praticamente lotado de turistas de férias, que enchem os vilarejos, resorts, marinas, pistas de golfe, lojas de souvenires e roupas de banho, cafés à beira-mar e as baladas da estação.
A culpa é da beleza do Algarve. Desde a divisa com a Espanha, os 160 quilômetros de praias atlânticas vão quase até a ponta do continente, com uma praia abençoada por dunas, areia fina, montanhas e grutas naturais. Os frutos do mar podem ser sublimes, e os preços são extremamente modestos, especialmente se comparados ao de paraísos de veraneio como a costa de Amalfi, na Itália, ou a Riviera Francesa.
A concentração humana parecia ainda mais animada enquanto eu a observava da sacada do Hotel Bela Vista, uma mansão em estilo mourisco cercada por hotéis arranha-céus sem charme em frente à Praia da Rocha.
- Em julho e agosto é impossível encontrar um lugar para colocar a toalha - afirmou Gonçalo Narciso, gerente de operações do hotel. Ele balançou a cabeça e disse:
- Você não imagina.
Em meio a uma algazarra de protetores solares, surge a seguinte questão: existe um Algarve alternativo? Um Algarve menos cheio de gente? Um Algarve onde o passado tenha sido preservado? Em busca desse lugar, parti, em maio deste ano, para viajar além do universo das pensões com café da manhã e dos karaokês. De castelos medievais dignos de livros de história a praias perfeitas para o surfe, passando por restaurantes familiares de frutos do mar, descobri que existe um Algarve diferente ao alcance de qualquer pessoa com uma passagem de ônibus e a vontade de nadar contra a maré.
Tavira
Seguindo uma jornada de três horas de trem de Lisboa a Faro, mais uma hora de ônibus por estradinhas desanimadoras, cheguei a Tavira, uma cidade costeira próxima à divisa com a Espanha, com vestígios de antigas cidades fenícias e romanas escondidos sob as ruas. Vielas repletas de construções pintadas de branco com sacadas de ferro, ao lado de inúmeras igrejas renascentistas e barrocas - testemunho da riqueza gerada antigamente pela venda de peixes e sal.
Em uma ponte de pedra que cruza o Rio Gilão, que divide a cidade em duas e deságua no Atlântico, uma banda com violão, acordeão e tamborim tocava músicas folclóricas animadas. Mais acima, na encosta de um morro, era possível ver as ruínas de um castelo medieval e a torre do relógio de Santa Maria do Castelo, uma igreja do século 18 cercada por um mar de telhadinhos cor de laranja.
A brisa salgada enchia a cidade com um torpor agradável enquanto caminhava. No leito do rio, homens carregando baldes de plástico retiravam moluscos de pequenas ilhas de pedra reveladas pela maré baixa.
- A essência do leste do Algarve é sua autenticidade - afirmou Tim Robinson, um inglês loiro e parrudo que me recebeu no terraço de um café chamado Veneza. - O velho estilo de vida português ainda existe por aqui.
Mais tarde, ao explorar Tavira à pé, descobri prédios históricos reformados em toda a cidade. O velho mercado coberto do local - uma adorável estrutura de ferro dos anos 1880 - repleto de butiques e restaurantes.
Mais adiante, algumas paredes novas e superfícies metálicas com ângulos estranhos transformavam uma antiga cadeia em moderna biblioteca municipal. Dobrando a esquina, o plano de reforma do arquiteto português Eduardo Souto de Moura, que venceu o Prêmio Pritzker dois anos atrás, transformou o Convento das Bernardas, construído na renascença em um conjunto de apartamentos de luxo.
Silves e Praia da Rocha
Encontrei os pontos mais famosos na Praia da Rocha, grande, cercada de resorts à beira-mar no oeste do Algarve - o primeiro local, na região, a ser frequentado por turistas.
No entanto, até mesmo aqui é possível encontrar traços do outro Algarve. Eles se escondem por trás dos portões do Hotel Bela Vista, uma mansão mourisca restaurada de forma extravagante que afirma ser o primeiro hotel do Algarve. A silhueta exótica do prédio contrasta com uma orla quase deserta. Sair do charme antiquado para a festa multicolorida das bancas de souvenires da Praia da Rocha, dos restaurantes chineses baratos e dos bares irlandeses foi como vivenciar a queda do homem e sua expulsão do paraíso - ao menos do ponto de vista turístico.
(João Pedro Marnoto/ NYTNS) Os pontos mais famosos ficam em praias no oeste do Algarve

Um ônibus local me levou ao interior, passando por limoeiros e laranjais. Após 20 minutos, observei uma fortaleza no alto de um morro, com suas muralhas de pedra vermelha sobre um vilarejo. Seguindo em direção às ruas de paralelepípedos da cidade de Silves, encontrei-me com Maria Gonçalves, arqueóloga chefe da cidade, que me contou um pouco da história e da estrutura local, o castelo mais bem preservado do Algarve.
- Eles eram árabes do Iêmen durante a primeira metade do século 11 - afirmou sobre os primeiros moradores, durante o tempo da ocupação moura da Andaluzia, na Espanha.
Silves tornou-se a capital do Al-Gharb Al-Andalus, como os mouros chamavam a região: ou seja, o oeste da Andaluzia ("al-Gharb", que significa "o oeste", deu origem ao nome Algarve).
Pedralva
Minha última jornada em direção ao extremo oeste do Algarve me levou ao limite mais a sudoeste da Europa, onde passei rapidamente pela cidade portuária de Lagos. Porém, meu destino me levaria a lugares mais distantes. Outro ônibus ia em direção ao oeste. Em um vilarejo chamado Vila do Bispo, um carro da cidadezinha de Pedralva me buscou e me levou às ruas de ladrilhos de pedra e casinhas brancas restauradas.
A mera existência do vilarejo é um milagre no Algarve. Há muitos anos, Pedralva não passava de ruínas de pedra. A população havia chegado a nove moradores e muitas das casas do século 19 estavam em ruínas.
- Era uma cidade fantasma - afirmou Antonio Ferreira, ex-estrategista de marketing de Lisboa, que salvou Pedralva, transformando-a em um dos lugares mais originais do Algarve.
(João Pedro Marnoto/ NYTNS) Vilarejo de casas brancas era apenas ruínas até ser restaurado

Ferreira ficou encantado por esse rincão de 200 anos e, com alguns parceiros, passou anos construindo e restaurando casas. Em 2010, eles abriram a Aldeia da Pedralva, um vilarejo de ecoturismo com ruas de pedra, casinhas brancas, um supermercado e um restaurante ao estilo tradicional do Algarve:
- A ideia aqui é nos desligarmos da vida da cidade grande, ou mesmo das cidades pequenas: carros, trânsito, muitas informações e propagandas, telefones celulares. Somos o outro Algarve. Esse é o Algarve intocado.
Naquela noite, fui para meu chalé com teto e móveis de madeira. Sem televisão, sinal de celular ou internet, não podia me distrair do silêncio. O único som ao redor era o das corujas e grilos no vale: as vozes do Algarve intocado.