Famoso crítico de arte australiano, o já falecido Robert Hughes uma vez reclamou do fato de o filme Crocodilo Dundee ainda ser visto por muitos norte-americanos como um trabalho de realismo social. Exagero de retórica, é claro, mas ele não deixava de ter razão. Como australiano que mora em Nova York, há muito desisti de entender a prevalência de clichês charmosos sobre o país como a última fronteira ensolarada e colorida. Campanhas publicitárias ainda promovem a imagem do ocker ? versão australiana do caipira americano, o redneck ? mostrando pessoas felizes fazendo churrasco na praia e bebendo cerveja.
Protesto - em vão - com os amigos, dizendo que a Austrália tem muito mais a oferecer do que hedonismo desenfreado e coalas fofinhos. As cidades são cosmopolitas, reclamo, e até arrisco dizer que são sofisticadas. Seus museus vivem lotados, a vida cultural é intensa e os festivais de arte enchem o calendário social.
A maior diferença entre imagem e realidade talvez aconteça na minha cidade: Sydney que, como o Rio, é famosa por suas belezas naturais - e pela Opera House, obra arquitetônica instantaneamente reconhecida, embora poucos norte-americanos entendam que espetáculos de ópera sejam mesmo realizados lá dentro.
Assim sendo, enquanto o tal do vórtice polar castigava os EUA e a Austrália se regozijava na glória do verão austral, fugi das calçadas geladas de Nova York para a terra natal, piscando feito um marsupial estatelado sob a luz forte.
Nessa visita, resisti bravamente à tentação de passar por Sydney Harbor e pelas praias; em vez disso, optei por conferir a região criativa da cidade, que existe em um universo paralelo ao da trilha turística clássica. E durante os próximos dez dias, descobriria como a vida na cidade pode ser original e interessante.
Primeira parada: check-in no QT, um hotel de arte psicodélico que se autodenomina um playground urbano, a anos-luz das acomodações luxuosas tão em moda em Sydney atualmente. O novo hotel fica em uma loja de roupas masculinas reformada dos anos 20 e sua decoração evoca uma sequência de sonho de Jean Cocteau que se passa em um bordel de alta classe.
O QT era a base ideal para explorar a área central, que compreende vários bairros boêmios à volta do centro financeiro e que muitos turistas de primeira viagem muitas vezes nem percebem.
Exercitando meu lado sentimental, peguei um táxi direto para Edward Street, onde morava na época de estudante, em um bairro fuleiro chamado Chippendale. As ruas hoje são silenciosas e arborizadas e a antiga república onde morei ganhou pintura nova e inúmeros vasos de flores. Ainda mais chocante foi saber que Chippendale foi promovido a Bairro Criativo sem fins lucrativos, com sua própria excursão artística, o Passeio Urbano. Um mapa me levou a galerias com nomes como Pompom, Kaleidoscope e White Rabbit, antiga fábrica que agora abriga um moderníssimo museu de arte contemporânea chinesa, com direito a casa de chá. Ali perto, uma igreja neogótica foi transformada na galeria de arte NG, onde havia uma recepção animada.
Visitei várias outras, em Paddington e Woollahra, incluindo a Roslyn Oxley9 e seu espaço bem iluminado dentro de um prédio de arenito e a Olsen Irwin, cujas obras expostas combinariam perfeitamente com as galerias próximas ao High Line de Nova York.
A mais significativa, porém, estava escondida em Surry Hills, bem mais perto da movimentação do centro: o estúdio de Brett Whiteley, cujo uso abundante da luz e da cor redefiniu a pintura moderna australiana.
Passeando pelo calçadão do Circular Quay, outra atração turística famosa, desviei os olhos das balsas verdes e amarelas que saíam rumo a praias paradisíacas para ler as plaquetas da Sydney Writers Walk aos meus pés. Cada disco de bronze inclui uma citação de escritores locais, alguns conhecidos apenas nacionalmente, outros mundialmente, bem como dois visitantes literários norte-americanos, Jack London e Mark Twain, que declarou, depois de uma visita em 1895, que o livro da história da Austrália parecia um monte de belas mentiras.
De minha parte, estava começando a aceitar que toda experiência de arte em Sydney poderia ser, de alguma forma, melhorada pela natureza. Minha caminhada até a Galeria de Arte da Nova Gales do Sul, por exemplo, passou por eucaliptos cheios de aves nativas; a apresentação de La Bohème, na Opera House, foi precedida por coquetéis em um terraço à luz suave do entardecer; a peça da Companhia de Teatro de Sydney, seguida de um jantar à base de ostras no End of the Wharf, de onde se tem uma bela vista da água do porto.
- Para mim, a beleza física de Sydney é um elemento importante que reflete as possibilidades nas artes. Quem cresce aqui sabe que está cercado por algo milagroso. Isso altera os seus padrões, não há dúvida, comentou mais tarde o diretor Neil Armfield, que já trabalhou com Cate Blanchett, Hugo Weaving e Geoffrey Rush.
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