

No final de nosso quarto dia na Península de Osa, na Costa Rica, tínhamos visto, segundo as contas de minha filha Sasha, de 9 anos, dezenas de espécies de animais. Havíamos observado formigas cortadeiras, formigas guerreiras e formigas zumbi. Havíamos sido ensurdecidos por macacos bugio, enganados por macacos-esquilo e provocados por macacos-prego, cujos pés trazem uma estranha semelhança a mãos humanas. Naquela tarde, no parque nacional que cobre um terço da península, havíamos até mesmo espiado duas antas, mamíferos ameaçados que parecem rinocerontes sem chifres com focinhos longos.
Para provar dessa extravagância de biodiversidade, acordamos cedo todas as manhãs de nossas férias. Assim, quando nosso guia nos informou que nos levaria às 4h30min da madrugada para testemunhar o despertar da floresta tropical, eu - a força motivacional por trás desta viagem, e também a responsável por tudo - olhei apreensivamente para minha família e engoli em seco.
- Estaremos de pé, respondi vivamente.
Eu havia levado Sasha e meu marido, Scott, a Osa em busca de uma experiência selvagem tropical que fosse realmente selvagem. Mas quando nos esgueiramos para dentro de nossa tenda naquela noite, a viagem tradicional que eu havia resolutamente evitado começava a parecer mais convidativa.
A Costa Rica, lar de grandes extensões de floresta tropical intocada, parecera o local óbvio para mergulharmos na natureza por uma semana em fevereiro. Ao pesquisar pontos turísticos do país, comecei a suspeitar que seus destinos populares de ecoturismo não saciariam minha sede pelo indomável. No TripAdvisor, expressões como bem desenvolvida e a menos caridosa Disneyficada descreviam a famosa Reserva Biológica Bosque Nuboso Monteverde, no planalto central. O Parque Nacional Manuel Antonio, na costa do Pacífico, parecia melhor em vida noturna do que vida selvagem.
Quanto mais pessoas puderem desfrutar da floresta sem destruí-la, melhor: os cerca de 70 mil que visitam a Monteverde a cada ano ajudam a pagar pela preservação da área restante. Mas a remota Península de Osa, que se projeta para o Oceano Pacífico ao sul da Costa Rica, parecia oferecer uma oportunidade cada vez mais rara de se observar a floresta tropical em toda sua glória fecunda sem muita companhia humana.
Chegar lá exige um segundo voo ou sete horas de carro saindo de San José. E embora a atração seja o Parque Nacional de Corcovado, com 414 km², as acomodações são limitadas a algumas dezenas de beliches e uma área de camping no Posto da Guarda Florestal Sirena.
Para a primeira parada, Bosque del Cabo, levamos 40 minutos de táxi de Puerto Jiménez, a maior cidade na península com 1,78 mil habitantes. Eu havia escolhido uma das duas cabanas no Bosque, a apenas alguns passos da floresta, junto de uma grande clareira com árvores e plantas nativas. Para chegar lá, a trilha atravessa a floresta e uma ponte suspensa sobre um rio.
O Bosque em si possui 303 hectares, que abrangem parte da floresta tropical e grandes trechos de selva, ou florestas que voltaram a crescer em terras já desmatadas - no caso do Bosque, para criação de gado. Não teríamos quase nenhuma chance de ver uma anta nas trilhas do hotel, segundo a equipe nos informou abertamente . Em Corcovado, disseram que a probabilidade era de 50%. Mas vimos sapos venenosos, lagartos e macacos cochilando ao sol. Um porco selvagem chamado pecari visitava frequentemente a modesta piscina do hotel, onde nos refrescávamos e bebíamos limonada com gengibre.
Em nossa cabana, aberta em três lados, nos sentimos menos como observadores e mais como moradores da floresta, junto a macacos que brincavam nas árvores diretamente acima de nós e as formigas cortadeiras abaixo. Numa tarde, um arco-íris de tucanos e araras vermelhas voou a poucos metros de distância, a caminho das árvores frutíferas na clareira atrás de nós.
Saber que as árvores foram plantadas para atrair os pássaros tirou, apenas um pouco, o prazer de sua proximidade. Mas talvez seja também nossa culpa, por nos distrairmos com aventuras de rapel e limonadas na piscina.
Quando pousamos na manhã seguinte no posto da guarda florestal, a sede do parque Corcovado, logo ficou claro que ali não haveria distrações do mundo natural. Além de descansar na varanda sombreada da estação de guarda, não havia mais nada a fazer.
Nosso guia, Nito Paniagua, que nos encontrou em Puerto Jiménez para o voo fretado de 15 minutos, rapidamente encontrou um lugar para a nossa barraca e nos levou para a trilha até o rio.
Diferente dos mochileiros que andam mais de 19 quilômetros para acampar no Sirena, nós não somos grandes atletas. Mas a caminhada até o rio onde almoçamos foi mais intensa do que cansativa. Levamos duas horas, apenas porque parávamos a toda hora para observar uma nova criatura: o pássaro com o coração pequeno, o grilo carnívoro, borboletas num azul brilhante, a famosa cobra ponta de lança.
E como Nito adivinhara rapidamente que estávamos loucos para ver antas, ele nos levou a um local onde elas costumam dormir.
O fato de termos tido a sorte de ver duas delas através das árvores, a talvez 15 metros de distância, foi uma razão para o suspiro coletivo naquela noite, quando Nito anunciou que nos acordaria às 4h30min.
Nossa dúvida: o que mais havia para ver que não podia esperar até o amanhecer?
Em estado de sonolência, saí da barraca sem os óculos e tive de correr de volta para pegá-los enquanto Scott, Sasha e Nito esperavam por mim no gramado em frente à varanda do posto florestal. Paramos para admirar uma teia de aranha no começo da trilha de terra, e partimos em direção à praia onde ele queria que víssemos o brilho das luzes no céu.
Foi então que a anta surgiu da floresta bem na nossa frente. Com o coração batendo forte, segurei a respiração, desejando que pudesse congelar o momento. Scott e Sasha também ficaram paralisados. Por uma fração de segundo, o estranho animal pareceu registrar nossa presença. Então a anta se afastou de nós, descendo a trilha na direção do rio até desaparecer na escuridão.
Eu não sabia até então, mas isso, mais do que tudo, era o que eu esperava encontrar na Península de Osa. Não era como ver animais atraídos pela malícia humana, ou onde todos os guias sabem que eles costumam ficar naturalmente. Se eu não tivesse esquecido meus óculos, poderíamos ter perdido aquilo.
Foi selvagem.
Poderíamos ter ficado mais felizes no Sirena se nossa barraca fosse armada no fora do camping - que era quente e lotado durante a noite. Os carrapatos também não ajudavam.
Da forma como foi, ficamos felizes ao chegar a nosso destino final em Osa, o La Paloma Lodge, na Baía Drake, após uma hora de barco desde o Corcovado. Foi agradável tomar um banho quente e aproveitar a floresta tropical como uma paisagem da elegante sala de jantar do hotel.
Em nosso último dia, saímos num passeio decididamente fabricado pelo ser humano: um arvorismo com 13 tirolesas, e ponto alto da viagem para Sasha. Mas quando Scott lhe perguntou qual parte da viagem ela eliminaria, se fosse preciso, ela não conseguiu escolher. Disse que poderia viver alegremente durante décadas em nossa primeira cabana. E não abriria mão das tirolesas.
- E não posso eliminar Sirena. Porque foi lá que vimos tudo, afirmou ela.