Foto: Cláudio Goldberg Rabin, Agência RBS
Foto: Cláudio Goldberg Rabin, Agência RBS
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Andar de balão é uma aventura em três atos: todo o engenho que envolve a decolagem é o primeiro. O momento contemplativo do voo é o segundo. E o último, a aterrissagem, que define se o enredo será drama, comédia ou tragédia.
Parte I - Hora de voar
Eram 6h59min desta sexta-feira, quando o megafone do Parque Odilo Webber Rodrigues declarou:
- Bom dia, Torres!
Ninguém respondeu. Só uma informação era importante naquele momento para quem estava presente no 26º Festival Internacional de Balonismo de Torres: se haveria ou não competição durante a manhã. Sem suspense, a voz do alto falante confirmou a programação. O briefing, sistema no qual pilotos e organizadores avaliam as condições do vento, tinha sido positivo.
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Organizador do evento, Bruno Schwartz, um brasileiro com sotaque francês e sobrenome germânico, me apresenta ao piloto Renato Mathies, um paulista de 36 anos. Mathies, vulgo Alemão, mostra o currículo: 20 anos de balonismo, instrutor de voo, 1,3 mil horas no céu.
Vinte minutos mais tarde, os ventos sopravam na direção do canal. O sol da manhã esquentava o dia (12ºC, segundo o meu celular) e batia no rosto de Schwartz, que, com microfone em uma mão e fazendo sombra nos olhos com a outra, dava instruções aos pilotos e comentava sobre o maior inimigo e amigo de um balonista, o vento.
- Está sacaneando a gente hoje.
Autorizada a competição, uma manada de caminhonetes D20, Hilux, Cherokees e pelo menos uma Saveiro (a da equipe de Alemão) saiu em bloco à procura do melhor local para decolar. Duas paradas na Estrada do Mar para checar o vento, sempre ele, e os 32 carros estacionaram em um grande terreno, com espaço para todos. A prova chama-se Fly In, onde, depois de decolarem a uma distância predeterminada, os competidores precisam jogar um saco de areia em um grande XIS branco, dentro do parque. Quanto mais próximo do alvo, maior a pontuação.
No carro, conheço o resto da equipe: o empresário Fernando Papaiz, 35 anos; o técnico em manutenção Michael Ahrens, 34; o vendedor de carros e motorista oficial, Dante Moraes; e o caçula Cicero Correa, 15 anos. Todos paulistas, todos alunos de Alemão.
A hierarquia é informal, mas todos sabem quem dá as coordenadas. Pelas 8h, o capitão da equipe fuma o segundo cigarro, encontra um ex-pupilo tornado competidor, solta um balão (sonda na linguagem técnica e bexiga em paulistano) que é a base da conversa que importa, o vento.
Alguns balões decolam, vários carros ficam parados. São 8h32min, Alemão está no terceiro cigarro, e o limite de tempo para a prova é até 9h30min.
- Aqui não vai dar - diz.
Dez minutos depois partimos em velocidade por um pedaço da Estrada do Mar e mais um trecho de paralelepípedo de praia, isto é, irregular.
Três pessoas estão na caçamba com o equipamento. Na traseira, o chefe da equipe dá ordens ao motorista. São 15 anos de competições em Torres, ele conhece o terreno. Moraes apenas faz. No caminho, ele me diz que é vendedor de carro, mas não por muito tempo:
- Se Deus quiser, em breve, balonista.
E fala mal dos argentinos que estão na competição:
- Vão começar apanhando aqui e acabar na Copa.
Chegamos ao ponto que parece perfeito - o campo de futebol do Complexo Esportivo Valter Mirim .
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O trabalho em equipe funciona: 300 quilos de equipamentos saem da caçamba rapidamente, o balão é estendido no gramado bem aparado e conectado ao cesto de vime por cabos de aço. A ventoinha de 6,5HP começa a soprar. Em pouco tempo, a mágica. O ar frio começa a encher o balão, o nylon incha como uma baleia azul. Na ponta superior, Ahrens e Moraes, seguram o coice do balão que começa a se elevar majestosamente com a injeção de ar quente que recebe do fogo que sai do duplo maçarico.
- Pula. Pula - diz Alemão de dentro do cesto, contido no chão pelo peso de outras três pessoas.
Com a agilidade de um bode, obedeço.
9h5min. Decolamos.
Parte II - O voo
Calor. O maçarico queima a toda para levantar os 460 quilos de gente e equipamento. A primeira máquina de voar inventada funciona. Dez, 20, 30, 40 metros do solo. E subindo. A dimensão humana é ridicularizada pela nova perspectiva.
Schwartz, o promotor do evento e pioneiro do esporte no Brasil, conta que o inventor do balonismo foi um brasileiro. Na verdade, o padre Bartolomeu Gusmão, que pregava na maior colônia do império português. Em 1723, na lareira de casa reparou que o papel picado subia com o ar quente e começou os experimentos. Apresentou à Coroa o projeto, mas foi barrado e preso pelos colegas de batina da Inquisição. Os céus deveriam ser reservados apenas a Deus.
- Morreu na cadeia - resume sem lembrar do padre Adelir Antônio de Carli que morreu em 2008, ao voar carregado por balões de hélio.
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Alemão não fala. "Se eu não responder é porque não posso. Não é falta de educação", havia dito no início da manhã. Morde o lábio inferior direito, solta mais gás (propano, o mesmo usado nos isqueiros) e puxa uma corda que controla o TAP - os sistemas de subida e descida do veículo, respectivamente.
O silêncio é bom. Não há motor. O único barulho é dos guinchos intermitentes de gás e do motor de um paraglider exibicionista, irritante como o rasante do zumbido de mosquito quando tentamos dormir. É a impureza em um cenário de horizontes distantes e prédios encolhidos.
Parte III - Comédia, drama ou tragédia?
- Caímos muito à esquerda - diz o piloto.
Não há como corrigir. Agora, o importante não é mais completar a prova, mas pousar com segurança.
- Tem gente pior do que nós.
A um quilômetro de distância, um balão preto parecia ir ao encontro de uma árvore, mas a preposição correta - e dolorosa - era de encontro. Uma hora mais tarde, descobri que ninguém tinha se machucado.
Às 9h14min, cruzamos o Rio Mampituba. Voamos baixo, era possível ouvir os cachorros latindo para o grande balão azul. Sobrevoamos uma penitenciária feminina. No pátio, as presidiárias, de camiseta branca e o que parecia ser um short vermelho, abanavam. Educado, Alemão, retribuiu o cumprimento.
Enquanto voávamos, o vento havia mudado e nos afastado da rota. Em um balão de ar quente, as correntes de ar são o controle lateral. O único controle efetivo que um piloto tem é o movimento vertical.
Mais tarde, Alemão diria que um bom piloto mantém sempre a calma e a tranquilidade. Estuda o terreno por onde vai passar e planeja o voo. Foram os atributos necessários para o pouso. Voando baixo, com o canal do rio em frente, o piloto tinha um espaço restrito para aterrissar. Um terreno de mais ou menos 30m x 50m.
- É melhor bater numa árvore do que cair num canal. Na árvore, a gente recupera o material - disse, em um péssimo exemplo.
- Fica no canto e segura firme. Vamos pousar duro.
Obedeço aos comandos e tento demonstrar segurança - há uma câmera gravando. O baque da chegada ao chão é duro, o cesto vira, mas o balão não nos arrasta.
- Fica dentro do balão, dentro do balão!
Ficamos no chão. Ninguém se machucou. Em menos de cinco minutos, o resto da equipe chega de carro. Comentam o voo e a situação dos concorrentes, guardam tudo e voltam ao local das provas.
No parque, a informação é de que 10 dos 32 pilotos alcançaram o alvo, entre eles um dos argentinos. Ninguém mais reclamou dos vizinhos. A reclamação era uma só: o vento.
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Como voar
Não é necessário nenhum conhecimento ou experiência previa para voar de balão. Antes do voo o piloto dá todas as instruções. O tempo de viagem é de uma hora, cobrindo uma distância de até 30 quilômetros que vai depender da velocidade dos ventos.
Para se inscrever entre em contato pelo e-mail: joana@airshow.com.br
Serviço
O evento segue até o dia 4 de maio. Ao todo, são 43 balões que participam do encontro e 32 competidores. Outros seis balões foram inscritos, mas não competem e cinco são apenas temáticos.
O quê: 26º Festival Internacional de Balonismo de Torres
Quando: de 30 de abril a 4 de maio de 2014
Onde: Parque Municipal de Exposições Odilo Webber Rodrigues, localizado na Avenida Castelo Branco - Torres/RS
Entrada gratuita