
De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos quando morrermos? E nossos animais de estimação, vão junto?
A pergunta não é nova, mas recebeu incentivo para fazer parte do questionário existencial a partir de uma recente declaração do papa Francisco. Ele passava pela Praça de São Pedro, no Vaticano, quando viu um menino chorando. Ao abordá-lo, perguntou o porquê das lágrimas. Soube que a criança lamentava a morte de seu cãozinho. Para consolá-lo, teria proferido uma frase marcante:
- O paraíso está aberto a todas as criaturas de Deus.
Não se sabe se isso confortou o menino, mas a declaração gerou alvoroço. Ao jornal The New York Times, entidades que lutam pelos direitos animais, como o grupo Pessoas pela Ética no Tratamento dos Animais (Peta), se pronunciaram satisfeitas. Teólogos mais conservadores, por outro lado, reforçaram que a frase não apareceu em um contexto formal, e que não haveria lugar no céu cristão para seres que não têm alma.
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Para o padre Leandro Chiarello, diretor da faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a declaração encontra respaldo teológico. Ele explica que, segundo os preceitos católicos, todos os seres vivos são parte da criação de Deus - e, quando morrem, encontram o mesmo espaço na eternidade que as demais criaturas.
- Não é uma questão de salvação, que é dada aos homens, mas uma questão de plenitude. Não batizamos um animal, ele não recebe os sacramentos porque não pecou. Como criatura, esse animal também foi feito por Deus, e Deus ama toda a criação - afirma o padre.
Na relativa curta duração de seu comando sobre a Igreja Católica até agora, o Papa já deu declarações arrojadas que motivaram gays, divorciados e até defensores de teorias científicas como o Big Bang a ter esperança de encontrar maior aceitação no cristianismo. Assim, sua afirmativa a respeito dos animais não surpreendeu quem está se acostumando a um pontífice capaz de se posicionar com desenvoltura sobre assuntos que não vinham pautando a atuação católica até então.
Jorge Mario Bergoglio já afirmou que pensou em Francisco por causa dos pobres, mas é fácil associar à figura de São Francisco de Assis também aos animais, de quem é padroeiro. Nas igrejas, é comum que o Dia Mundial dos Animais, em 4 de outubro, seja celebrado com a benção de São Francisco, quando os bichinhos podem inclusive frequentar a missa.
Ainda assim, o tema divide as opiniões ecumênicas. Ao se posicionar pela ideia de que tanto animais quanto humanos vão para o céu, o Papa contraria não apenas os teólogos mais conservadores, mas também o próprio predecessor. O papa emérito Bento XVI afirmou, em um sermão de 2008, que a morte de um animal "significa somente o fim de sua existência na Terra".
Quem se dedica ao cuidado com os animais vê com bons olhos essa mudança de postura no líder de 1,2 bilhão de fiéis. Para a titular da Secretaria Especial dos Direitos Animais de Porto Alegre, Regina Becker, a mensagem deve se refletir em um tratamento mais humano aos bichos de estimação e todas as demais criaturas.
- Se a autoridade máxima da Igreja Católica enxerga neles uma condição igual à nossa, então cabe a todos nós ter esse olhar de caridade e compaixão com os animais - acredita Regina.
A Igreja e os animais
Se os animais vão ou não ao céu é um questionamento que vem sendo debatido há séculos na Igreja Católica.
- O papa Pio IX, que liderou a igreja entre 1846 e 1878 (o pontificado mais longo da história) era apoiador da doutrina de que os animais não têm consciência.
- O papa João Paulo II, líder da Igreja Católica de 1978 a 2005, afirmou que os animais têm alma e estão "tão próximos de Deus quanto os homens".
- O antecessor de Francisco, o papa emérito Bento XVI, afirmou a morte de um animal significa apenas o fim de sua existência, não um caminho para a eternidade.
PASSAGENS BÍBLICAS
Ao orientar Noé a sair da arca, além de abençoar a raça humana o Senhor abençoou também os animais:
"Então falou Deus a Noé dizendo: [...] Todo o animal que está contigo, de toda a carne, de ave, e de gado, e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, traze fora contigo"
(Gênesis 8:15-17).
A Bíblia diz que os filhos de Deus têm responsabilidades para com os animais:
"O justo atenta para a vida dos seus animais, mas o coração dos perversos é cruel"
ou
"O justo zela com carinho dos seus rebanhos, mas até as atitudes mais amáveis dos ímpios são cruéis"
(Provérbios 12:10).
Segundo a Bíblia, Jesus também expressou a importância que seu Pai dava mesmo aos animais mais pequenos, ainda que eles tivessem pouco ou nenhum valor financeiro:
"Não se vendem dois pardais por duas moedas de pequeno valor? Contudo, nenhum deles está esquecido diante de Deus"
(Lucas 12:6).