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O britânico Richard Dawkins subiu ao palco do Auditório Araújo Viana, na noite do dia 25 de maio, celebrizado como pensador polêmico e crítico ferrenho da religião, mas preferiu mostrar uma outra faceta ao público gaúcho - a de pacato professor de biologia evolutiva.
Ateísmo apareceu apenas nas perguntas do público da palestra de Richard Dawkins
Sob aplausos de cerca de três mil pessoas reunidas para a primeira conferência do projeto Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, caminhou até o púlpito e, sem perder tempo com vênias ou saudações à plateia, deu início à leitura de uma palestra sobre alguns mecanismos elementares da seleção natural, acompanhada por fotos projetadas em telões. Durante cerca de uma hora, apresentou várias das ideias expostas no livro que o tornou célebre entre os cientistas, O Gene Egoísta, publicado quase quatro décadas atrás, e em obras mais recentes. A abordagem causou surpresa e até alguma contrariedade no público, acostumado a uma presença midiática de Dawkins mais associada à causa do combate feroz à religião.
- Gostei, mas esperava mais. Queria que ele falasse mais sobre o ateísmo. Gostaria de ficar a noite toda fazendo perguntas que estão borbulhando dentro de mim - avaliou a aposentada Eva Samá, 70 anos, que se define como espírita evolucionista.
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O vendedor Luís Eduardo de Bem, 28, também tinha a expectativa de que Dawkins discorresse sobre o conflito entre religião e ciência, mas acredita que o biólogo evitou o tema de propósito, inclusive dizendo que não havia entendido algumas das questões feitas na parte final. Para o fisioterapeuta Felipe Emmel, 29, essa opção é que acabou por ser chocante:
- A gente vê ele falar muito sobre ateísmo e ceticismo. Mas aqui ele tentou ser bem seco, tratando só sobre evolução, só sobre biologia. Isso deu um choque. Foi interessante, mas sinceramente não me trouxe nada de novo, porque já acompanho livros, debates e palestras dele. Valeu mais pela presença, por poder vê-lo e pedir autógrafo, porque ele se repete muito.
O guepardo, a gazela e a floresta da amizade
Dawkins notabilizou-se por colocar o gene no centro do processo evolutivo. Logo no início de sua palestra, disse que os indivíduos morrem, mas os genes são potencialmente imortais, com capacidade de perdurar milhões de anos, geração após geração. É a sobrevivência dele que está na base da seleção natural.
A crítica à religião apareceu de maneira sutil, subentendida na contestação à ideia de que haja uma inteligência regendo a evolução. O biólogo atacou a noção de que o processo vise o benefício do grupo. Ofereceu como exemplo as árvores de uma floresta. Ao longo das gerações, elas desenvolvem troncos cada vez maiores, porque isso traz vantagens na disputa pela luz, mas acabam por dispender mais energia.
- Imaginemos uma floresta hipotética, que eu chamaria de Floresta da Amizade, na qual todas as árvores limitassem a altura a dois metros. Não se gastaria tanta energia em projetar troncos para o alto. Do ponto de vista de uma economia planejada, seria mais eficaz. Mas então aparece uma árvore mutante, rebelde, que cresce um pouquinho mais. Ela tem vantagem e obtém mais luz. Mas isso só até as outras começarem a subir. A Floresta da Amizade é instável. Não dura.
Com esse exemplo, Dawkins introduziu o conceito de corrida armamentista evolutiva. Uma faceta dessa escalada adaptativa, explicou, é a evolução paralela de um predador e de sua presa. Ele citou o caso do guepardo e da gazela. Em lados opostos da corrida armamentista, essas espécies se aprimoram para fazer frente uma à outra, gastando cada vez mais energia.
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- Eles gastam cada vez mais no seu equipamento e estão sempre melhorando, mas a situação geral não muda, porque o outro lado também fica melhor. Um acordo beneficiaria a ambos, mas cada lado está tentando superar o outro, porque quando tiver sucesso vai passar adiante os genes que garantem esse sucesso. Um planejador central que pensasse no bem de todos tentaria diminuir o gasto de energia. Mas a evolução nunca para e considera se uma forma é melhor para todos. É o que um projetista faria, mas não é o que a seleção natural prescreve. A seleção natural não olha para o futuro, ela favorece os mais competitivos. Pode até levar uma população a morrer - afirmou Dawkins.
Na plateia, muitos acompanhavam a exposição à espera do momento em que ele faria a ligação entre esse conceito e o tema norteador desta edição do Fronteiras, Como Viver Juntos. O biólogo não deu esse passo. Ficou a cargo do público descobrir a conexão.