Saul Duque é VP de Criação do Sistema Dez
O que é uma palavra?
Uma palavra é um agrupamento de letras ou sons de uma determinada língua. Há sempre uma ideia associada a este conjunto. E nos utilizamos destes grupos de letras para dar sentido às coisas que vemos e sentimos. Como diz uma belíssima canção do Jorge Drexler, já foram escritas infinitas palavras: zen, gol, bang, rap, deus, fim. Porém, também é infinito o desassossego do ser humano em tentar rotular com palavras o mundo que o rodeia e as sensações que esse redor lhe proporciona.
Palavras podem ser doces ou duras. Sutis ou deselegantes. Sábias ou burras. Maliciosas ou ingênuas. Mas sempre significam algo: dor, céu, lar, meu, fé, gay.
Eu vivo das palavras. Sou publicitário, as organizo em grupos maiores, sentenças e parágrafos, que precisam fazer sentido para que minha missão profissional - criar consciência pública e diferenciação para algo material como um chocolate ou etéreo como um conceito - seja cumprida.
Estas tais palavras viram chamadas em um anúncio, conversa em uma rede social, roteiros de TV, letras de um jingle para o rádio, títulos em um cartaz. E essas peças de comunicação competem com outras peças de marcas e produtos concorrentes. Cada marca procura se diferenciar, mostrar-se melhor, provocar empatia e conversação com as pessoas. Isso é feito de diferentes formas pelos diferentes competidores do mercado, mas há algo que todos acabam fazendo igual: a observação e o respeito ao zeitgeist, ou, em língua de gente, o espírito da época. O sinal dos tempos.
A publicidade não cria, não impõe e muito menos tem o poder de forçar as pessoas a adotar costumes. Ao contrário, ela humildemente acompanha a evolução (ou involução, conforme o ponto de vista do freguês) e surfa junto esta onda. Quando algo chega à publicidade, este é o sinal de que aquele costume já encontrou casa na sociedade, já é aceito, já faz parte. A publicidade rompe barreiras em raras e históricas exceções. Na maior parte do tempo, utiliza o que já está inexoravelmente em marcha para vender o seu peixe.
A publicidade reflete a sociedade e não o contrário.
Casais homossexuais aparecem em comerciais de perfume como no atual e polêmico filme d'O Boticário porque também vão juntos ao supermercado, ao cinema e à igreja. Se podem frequentar em paz estes três locais públicos é outra questão. E a resposta a ela reside na capacidade das pessoas que administram estes lugares em entender que o amor, o companheirismo e a busca da felicidade são bens inalienáveis da raça humana.
Pessoas como o ex-Bruce e atual Caitlyn Jenner estrelam capas de revistas importantes como a Vanity Fair. Cantoras como Daniela Mercury declaram seu amor por Malu Verçosa. Artistas como Elton John geram filhos junto com seu marido David Furnish. E isso não faz Caitlyn, Daniela, Malu, Elton ou David maiores ou menores do que os outros. Mas os fazem iguais.
Por isso, pode acontecer destes seres humanos serem brindados com palavras desagradáveis, que os rotulem e atribuam a eles comportamentos nocivos à moral e aos bons costumes. As palavras são assim, não têm vontade própria e são obrigadas a se organizar de acordo com a vontade do seu emissor.
Pois as palavras são inertes até o momento em que damos a elas uma ordem lógica que lhes forneça o sentido. Publicitários fazem isso. Pastores evangélicos, poetas, moralistas, agnósticos, humanistas e ditadores, entre outros, também.
As palavras, ao contrário de muitos daqueles que as utilizam, não julgam os outros.