Mumbai, Índia – Muitos questionam que, quando escreveu uma carta para um jornal médico sobre pacientes em Mumbai portadores de uma forma intratável de tuberculose, o Dr. Zarir Udwadia buscasse se tornar a fonte de uma polêmica sobre si mesmo. Contudo, em vez de provocar um ataque total à doença, como ele esperava, a missiva desencadeou um alarme global de saúde e, pelo menos inicialmente, levou a uma reação negativa do governo.
Até escrever a carta em 2011, Udwadia talvez fosse mais conhecido como o pneumologista da elite de Mumbai, onde seu pai médico ficou famoso nacionalmente por salvar a vida de um superastro de Bollywood, Amitabh Bachchan. Quase ninguém de fora dos círculos de saúde pública conhecia a clínica semanal gratuita que o jovem Udwadia comandava há mais de duas décadas.Udwadia escreveu sobre quatro de seus pacientes na clínica em quem não funcionavam os remédios geralmente utilizados para combater a enfermidade, infecção bacteriana mortal que pode ser transmitida por espirro ou tosse.
A ideia de que pessoas pudessem contrair uma doença fatal ao sentar ao lado de alguém no ônibus ou num voo internacional gerou preocupação entre autoridades mundiais de saúde e criou um problema para o governo do país.A tuberculose é tão antiga que foi encontrada nos esqueletos de múmias egípcias, foi registrada por Hipócrates e é mencionada no Rig Veda, coleção de textos antigos em sânscrito.
A doença afeta desproporcionalmente os pobres porque se espalha facilmente em lugares lotados entre pessoas cuja resistência é baixa por causa da desnutrição ou doenças. Ela é curável há décadas graças a um tratamento com vários antibióticos tomados por seis meses. Mas muitas vezes os pacientes não seguem o tratamento por inteiro, e a doença sofre uma mutação para uma forma mais virulenta.A Índia gera uma preocupação em particular, acumulando a maioria de pacientes de tuberculose do mundo – mais de dois milhões dos mais de nove milhões de casos ativos no mundo.
A Índia também tem o maior número de pacientes resistentes à medicação, quase cem mil, nos quais os dois medicamentos mais fortes contra a doença não funcionam.Mumbai é especialmente problemática por causa de seus cortiços superlotados, com quase um terço dos tuberculosos de alguns bairros tendo uma forma resistente da doença. A versão resistente à medicação é mais difícil e cara de derrotar do que a forma tradicional, exigindo dois anos de tratamento com remédios tão tóxicos que muitos pacientes desistem.
Mesmo completando o tratamento, estudos mostram que a probabilidade de cura é de apenas 60 por cento.Na tempestade de críticas na imprensa que ocorreu após a carta de Udwadia, autoridades do governo negaram publicamente o problema e o acusaram de equivocamente desencadear o pânico. Um funcionário de saúde de Mumbai confiscou suas amostras de pacientes para testar novamente.
Udwadia desapareceu por algumas semanas, mas voltou ainda mais ferino do que antes, defendendo vigorosamente suas descobertas e denunciando o governo por sua complacência. O médico de 55 anos não tem se escondido desde então, criticando o governo por não tirar proveito de uma nova geração de remédios para aniquilar a enfermidade."Com as novas drogas para tuberculose aprovadas pela FDA (agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos), ninguém deveria estar morrendo de tuberculose", ele declarou durante entrevista em seu pequeno consultório, onde, durante o atendimento gratuito, o médico fica em pé ao lado de uma janela aberta, examinando curtidores de couro, taxistas e empregadas domésticas, em sáris, burcas e turbantes, que aguardam no longo corredor do lado de fora.
E isso é inescrupuloso", ele assegura, falando em sua velocidade característica, enunciando cada sílaba para enfatizar.Há pouco tempo, Rahima Sheikh, 44 anos, um dos quatro pacientes com resistência à medicação que ele descreveu na carta de 2011, deitou-se na maca próxima da janela para que o médico examinasse seu peito e analisasse os resultados do exame.O médico alto e magro com um halo de cabelo preto se recusa a usar máscara para se proteger, embora a esposa diga que ele se preocupa em contrair tuberculose. "Como é possível se conectar ao paciente dessa forma?", ele indaga. Assim, o doutor deixa a janela aberta para haver boa circulação de ar, o que reduz a chance de infecção.
Enquanto muitos especialistas indianos e internacionais em saúde pública são intimidados a falar em jargão diplomático por temer perder o apoio governamental para seus programas, ou até mesmo os empregos, Udwadia se destaca como a voz mais influente exigindo melhor tratamento para pacientes com tuberculose na Índia e critica – sem papas na língua – a situação atual."Ele é o guardião da consciência e pioneiro.
Não recuou quando o governo tentou aterrorizá-lo e nos forçou a ver a sujeira", afirma Chapal Mehra, especialista em saúde pública que trabalha com agências internacionais.Udwadia cresceu em Mumbai, estudou em hospitais públicos, onde a tuberculose era disseminada, e no Hospital da Cidade de Edimburgo, onde pesquisadores pela primeira vez combinaram remédios para curar.Quando voltou à Índia em 1991 para montar seu consultório, o médico tinha poucos pacientes, então abriu a clínica grátis para se manter ocupado. Agora esse é o ambulatório mais movimentado de seu hospital.
Poucos anos depois, a Índia começou a ver os primeiros casos de tuberculose resistente à medicação. Enquanto um número cada vez maior de pacientes com resistência aparecia na clínica, ele se tornou um especialista em tratá-los com diversas combinações de remédios, além de uma voz influente em relação aos perigos de ignorar a disseminação dessas cepas.Após a crítica inicial a Udwadia, o governo indiano mudou de opinião e anunciou mais verbas para os programas contra tuberculose, com foco especial na resistência à medicação.
E a cidade de Mumbai passou a ir atrás de pacientes resistentes para tratá-los."Eles nunca teriam criado programas para resistência às drogas se não fosse por ele. E ele continua forçando o governo e a um tanto preguiçosa comunidade médica a se esforçar mais", garante Mehra.Udwadia observa que os programas de tuberculose do governo ainda não identificam nem tratam a maioria dos pacientes resistentes à medicação.
Segundo ele, duas novas drogas contra a doença aprovadas na Europa e nos EUA vários anos atrás ainda não estão disponíveis em seu país."Isso é escandaloso quando existem tantos pacientes desesperados. É possível, com a combinação desses dois remédios, que não exista mais tuberculose com resistência à medicação na Índia."Se antes da polêmica ele não era muito conhecido, agora Udwadia é um palestrante muito procurado.
Ele se comunica regularmente com o médico que é seu herói há décadas: o Dr. Paul Farmer, cuja obra está registrada no livro "Muito além das montanhas", de Tracy Kidder. Neste ano, Udwadia falou a estudantes de Imunologia da Universidade Harvard. Em outubro, deve palestrar na reunião sobre grandes desafios à saúde global da Fundação Bill & Melinda Gates, em Londres.Ele, porém, afirma que o melhor momento é quando um paciente resistente às drogas que vem sendo tratado há anos finalmente é curado.
Por Geeta Anand do NYT.