The New York Times
Cairo – Os jovens do Egito tomaram as ruas novamente. Desta vez, no entanto, estão de roupas de ginástica e em bicicletas, em caiaques e botes no Nilo, fazendo exercícios nas ruas das favelas de Giza ou crossfit em ginásios improvisados nos topos dos prédios.Mais de cinco anos depois que números esmagadores de pessoas encheram a Praça Tahrir, no Cairo, derrubando o Presidente Hosni Mubarak, e três anos desde que a repressão militar depôs o presidente eleito da Irmandade Muçulmana e encarcerou milhares de manifestantes, uma mania de exercícios físicos tomou conta do país. É uma mudança brutal em uma nação considerada a 17º do mundo em obesidade, onde as lojas de fast-food proliferam e onde fumar ainda é norma nos restaurantes – e em todos os lugares.Os jogadores de squash egípcios estão entre os melhores do mundo, e famílias ricas há muito tempo incentivam seus filhos a fazer esportes, mas o novo foco nos exercícios físicos está atraindo pessoas de todas as classes sociais, com números significativos de mulheres também, e tem mais a ver com fazer ginástica pelo simples fato de se exercitar do que com jogos e competições. Muitos egípcios veem isso como uma consequência direta do fim da revolução política sob o comando do presidente Abdel-Fattah el-Sissi.“Por que agora e de onde isso vem? Está claramente conectado com a saída dos jovens da vida pública”, explica Ezzedine C. Fishere, professor de Ciência Política da Universidade Americana no Cairo, que viu a tendência tomar conta de sua família. Fishere diz que vai à academia regularmente, sua filha usa um Fitbit e sua ex-mulher também se exercita.Depois da repressão militar, conta ele, “todos que participaram em 2011 começaram se mover para as esferas privadas, alguns se refugiaram em uma depressão, alguns em atividades niilistas e muitos nos exercícios físicos – não apenas nisso, mas nos cuidados com si mesmos”.Ramy A. Saleh, pioneiro do crossfit no Egito que abriu sua primeira academia logo depois da revolução, diz apenas: “Os jovens não podem fazer demonstrações, mas podem sair para correr”.Não demorou muito para o governo dominado pelos militares perceber – e aprovar. Logo depois de assumir em 2014, el-Sissi, antigo general comandante das forças armadas do Egito, liderou cadetes da academia militar em passeios de bicicleta muito bem divulgados por toda a cidade do Cairo.“O presidente Sissi queria passar algumas mensagens aos jovens, que ele os apoia”, afirma Ibrahim Nofal, um dos fundadores da Egypt Sports Network, que promove o desenvolvimento de esportes. “Ele estava dizendo: ‘Temos consciência, estamos tentando tomar conta disso’. Foi uma jogada inteligente.”Em 2014, el-Sissi e os militares revelaram uma reforma ambiciosa do Centro da Juventude de Gezira, que era apenas pouco mais do que um terreno público imenso e cheio de mato ao lado do Gezira Sporting Club em Zamalek, uma ilha do Nilo onde ficam várias embaixadas e mansões.O presidente Gamal Abdel Nasser tomou o centro do Gezira Club nos anos 1960 para dar aos jovens egípcios algo comparável aos opulentos clubes de campo privados do país, mas há muito o local vinha sendo negligenciado. Dois anos atrás, um corredor teria dificuldades para encontrar a trilha de corrida – uma pista de corridas de cavalo da era colonial.Agora a pista foi novamente pavimentada com asfalto esponjoso e aumentada para comportar seis corredores, além de circular o complexo que possui locais para a prática de vôlei de praia, tênis, natação, basquete, lutas e ginástica – todos abertos para o público por pouco mais de US$ 1 e frequentemente cheios.A demanda por espaços para fazer exercícios é tão grande que dezenas de jovens participam de aulas de ginástica improvisadas de noite em um canteiro de obras do lado do centro.Tradicionalmente, diz Fishere, os governos autoritários se interessam pela promoção dos esportes e da cultura do físico. E, nesse caso, foi uma válvula de escape na panela de pressão das ruas árabes.“É uma área segura para os dois lados, uma que o regime quer apoiar. E para os jovens é uma boa saída para gastar energia”, explica Fishere.Isso é particularmente importante em uma sociedade em que 62 por cento da população têm 29 anos ou menos, segundo estatísticas do governo.Em 2014, um corredor na beira do Rio Nilo teria as calçadas e ruas esburacadas só para si. Hoje, elas ficam frequentemente cheias às sete da manhã. O Cairo Runners, fundado depois da revolução de 2011, conta com milhares de corredores todas as sextas-feiras e outros milhares participam de passeios de bicicleta nos finais de semana – apesar do trânsito notoriamente perigoso e mesmo do calor lancinante de agosto.Quando Nirvana Zaher, consultora e treinadora de esportes egípcia, administrou uma Gold´s Gym no Cairo em 2008, era praticamente a única academia da cidade para os fanáticos por ginástica. A revolução mudou isso, diz ela, e não apenas porque os jovens desistiram e transferiram a atenção da política para o esporte.“Vários egípcios não perceberam sua verdadeira natureza antes da revolução, não descobriram que poderíamos fazer coisas que nunca imaginamos. Ela foi apenas um catalisador. Mesmo que a revolução política tenha acabado, internamente a revolução nunca terminou”, diz Nirvana.Nem todo mundo concorda com a ideia de que o fracasso da revolução política gerou a febre do fitness.O Egyptian Rowing Club, uma das muitas casas que abrigam barcos no Nilo, está tão cheio que frequentemente há uma lista de espera por seus caiaques e botes. Mesmo assim, Abeer Aly, membro do conselho, diz que acha que o aumento da popularidade é apenas um sinal dos tempos em todo o mundo. “Não vejo relação entre a revolução dos jovens e os eventos fitness. Só vejo a tendência das pessoas praticando e gostando muito mais de remar, andar de bicicleta e fazer outras coisas.”Mas Ibrahim Safwat, de 31 anos, que fundou o Cairo Runners em 2012, diz que as revoltas deram às pessoas a permissão de ocupar os espaços públicos de um modo novo, seja para fazer política ou para se divertir. “Depois da revolução, sentimos que as ruas eram nossas, que podemos fazer o que quisermos nelas. Isso nos dá esperança, e as pessoas sentem que têm um pouco de poder.”
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