Comportamento

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Três irmãos de São Jerônimo que sofrem da mesma síndrome rara tentam tratamento nos EUA

Pais arrecadam fundos para viagem aos Estados Unidos, onde crianças podem se tratar de forma experimental para frear efeitos de doença

Schirlei Alves

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Uma doença genética rara, difícil de diagnosticar e que está em fase de estudo nos Estados Unidos acometeu os três filhos do casal Lisiane Lopes Krieger de Souza, 35 anos, e Fernando Silva de Souza, 34, que mora em São Jerônimo, na Região Carbonífera. Henrique, seis anos, e as gêmeas Vanessa e Gabriela Krieger de Souza, três, lutam contra a síndrome de depleção do DNA mitocondrial (SDM) – mesma enfermidade do bebê britânico Charlie Gard, que se tornou alvo de uma controvérsia.

O problema é causado por alterações genéticas que restringem a produção de energia das células e enfraquecem a musculatura progressivamente. Isso acaba limitando os movimentos e pode prejudicar a capacidade respiratória, uma vez que atinge os músculos da caixa torácica.

A descoberta de que há possibilidade de tratamento no Exterior, mesmo que em caráter experimental, encheu os pais de esperança. Agora, Lisiane e Fernando batalham para arrecadar R$ 200 mil. Com o dinheiro, pretendem bancar a viagem, os exames e o medicamento desenvolvido pela Columbia University, em Nova York.

– Essa força que eu tenho? Vem da minha fé. Se existe 0,001% de chance, temos de lutar até o fim e não podemos desistir jamais. Estou muito confiante de que o tratamento vai dar certo. Se eu pudesse, já estava lá – comenta Lisiane.

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O estímulo da mãe contagia a casa e torna mais leves os dias dos filhos. Não fosse pelas limitações físicas do mais velho, a SDM seria quase imperceptível. Henrique apresenta o estágio mais avançado da doença. Não consegue caminhar sozinho e precisa de uma cadeira de rodas para longas distâncias. Movimentos simples, como o de virar a cabeça para os lados, são executados com dificuldade. Falante, Henrique é consciente do que está acontecendo com seu corpo. E lembra de quando conseguia mover-se com mais facilidade.

– Penso no passado assim (com saudade) – diz o menino, jogando Super Mário no videogame.

Corrida contra o tempo para reduzir os efeitos da doença

As meninas não sentem tanto os efeitos da síndrome. O andar cambaleante não as impede de pular de um sofá ao outro. A dupla de cabelos longos e cacheados não intimida-se com a câmera fotográfica, faz pose e diverte-se com a reportagem. Apesar de a mobilidade delas não estar tão afetada como à do irmão, os pais têm pressa – correm contra o tempo para frear os efeitos da depleção:

– Os três são amorosos e se dão muito bem. Passamos isso a eles. Temos de ter esperança e trazer um ambiente bom para que possam desenvolver-se e levar uma vida feliz – afirma a mãe.

Fotos: Três irmãos e uma doença rara

Lisiane e Fernando viveram uma saga até chegar ao diagnóstico – os sintomas da SDM podem ser confundidos com os de outras doenças (leia mais abaixo). Consultaram quatro especialistas, fizeram três exames complexos (dois deles, nos EUA) e gastaram quase R$ 40 mil em apenas dois anos, dinheiro que veio da ajuda de amigos e de rifas.

Diagnóstico só veio depois de uma maratona de exames

Os pais descobriram que havia algo de errado com Henrique aos quatro anos, quando a professora da escola avisou que ele tinha dificuldade em pular e executar outras atividades físicas. Como era o primeiro filho, eles não haviam se dado conta da limitação. Lisiane e Fernando buscaram a opinião de um ortopedista que os encaminhou a um neurologista. Após alguns exames, o médico suspeitou que Henrique poderia sofrer de Distrofia de Duchenne (doença genética degenerativa) e disse que seria melhor consultarem uma especialista em genética médica, em Porto Alegre.

A geneticista coletou o sangue de Henrique e o enviou a um laboratório na Califórnia. Após quatro meses, o exame sugeriu que o menino tinha Deficiência de Mioadenilato Deaminase – que causa fadiga extrema dos músculos. Embora sem cura, a boa notícia era de que a doença não progrediria. Só que não foi assim. Lisiane notou que Henrique continuava perdendo os movimentos e voltou ao consultório da especialista:

– A médica disse que, se eu quisesse encontrar mais alguma coisa, teria de ir até o Hospital da Criança, em Boston. Fiz uma vaquinha, vendi rifa e consegui os R$ 30 mil que precisava para viajar e fazer os exames.

Ao chegar ao hospital americano, em janeiro de 2016, Lisiane descobriu que o filho precisava fazer um mapeamento genético que custaria R$ 60 mil. Para alívio dela, os médicos norte-americanos informaram que o mesmo exame sairia por R$ 10 mil em um laboratório de São Paulo. Foi este mapeamento que finalmente detectou a SDM. Além do diagnóstico, o casal descobriu que as gêmeas tinham 25% de chance de desenvolver a mesma doença.

O exame de cada uma delas foi mais barato (R$ 1 mil), pois não havia mais necessidade de fazer o mapeamento completo.

Lisiane procurou outra geneticista gaúcha para cuidar dos três filhos. A médica Elizabeth Silveira Lucas, titular da Sociedade Brasileira de Genética Médica, foi quem descobriu o estudo na Columbia University.

– Fui buscar tratamento e encontrei esse centro, que é pioneiro no diagnóstico e no tratamento de doenças mitocondriais. É experimental e a única alternativa que temos no momento. Eles serão testados e nós veremos (como as crianças vão reagir). Eu tenho esperança – disse Elizabeth.

Segundo a especialista, existem poucos casos diagnosticados no mundo e em estágios diferentes de desenvolvimento. Por isso, não é possível prever como será a evolução da doença nos irmãos.

Como a síndrome é pouco conhecida pela medicina, está longe de ter qualquer financiamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Lisiane decidiu deixar o emprego na indústria farmacêutica para dedicar-se aos filhos. O pai, que é gerente de tecnologia da informação, trabalha em uma empresa em São Paulo e pretende levar a família para perto dele até o fim do ano.

– Sou otimista, mas já tive momentos muito difíceis. Percebi que, quando eu caio, os três caem comigo – reflete Lisiane.

– Então, tenho de fazer acontecer, não posso fraquejar. Se estivesse chorando até agora, não teria descoberto a síndrome, o tratamento, e não teria nada para oferecer a eles.

CASO CONTROVERSO

O bebê britânico Charlie Gard nasceu em agosto de 2016 e está, desde outubro, internado no Hospital Infantil Great Ormond Street, em Londres. Ele sofre da mesma síndrome genética dos irmãos gaúchos, mas provocada por um gene diferente. Além disso, o estágio da doença de Charlie é mais avançado e precoce. Ele não se move, não escuta e não enxerga. Os pulmões só funcionam por aparelho.

Para evitar mais sofrimento, o hospital solicitou à Justiça britânica o desligamento dos equipamentos que mantêm o bebê vivo. Em 27 de junho, a Corte Europeia de Direitos Humanos autorizou a medida. Desde então, os pais pedem mais tempo para tentar o tratamento oferecido nos EUA. Só que o bebê não atende a todos os critérios da pesquisa, porque apresenta uma alteração genética mais grave do que a dos pacientes que já são candidatos.

Após o posicionamento da Justiça britânica, o papa Francisco e o presidente dos EUA, Donald Trump, manifestaram-se em apoio aos pais. Uma nova audiência deve ocorrer nos próximos dias.

COMO AJUDAR A FAMÍLIA DE SÃO JERÔNIMO

– Uma conta bancária recebe doações. Veja como

– Outras informações estão no perfil de Lisiane no Facebook


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