Com quase todas as universidades federais adotando a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como forma de ingresso, perde força um fenômeno previsto pelo Ministério da Educação para diversificar o Ensino Superior: o aumento das matrículas de estudantes fora de seu Estado de origem. Essa relativa baixa mobilidade, que no ano passado levou 15 mil jovens brasileiros a estudar em instituições públicas longe de suas casas, porém, não se reflete no mais concorrido dos cursos.
Em Medicina, quase metade dos calouros não são do mesmo local que a instituição federal onde escolheram estudar. O percentual supera o triplo da média geral e coloca em pé de igualdade alunos da região e do restante do país - reflexo da adesão ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que permite aos alunos optarem por começar a faculdade em qualquer lugar do país onde sua nota no Enem puder levá-los.
Dados reunidos pelas universidades mostram o quanto mudou o perfil dos estudantes desde que o exame passou a definir - ou contribuir para - a seleção dos postulantes ao Ensino Superior. Naquelas que aderiram ao Sisu, os alunos locais chegam a ser minoria, enquanto nas que mantêm o vestibular, o número de ingressantes de outros Estados é muito menor.
Rio Grande do Sul recebe muitos, mas envia poucos
No Rio Grande do Sul, há uma diferença marcante entre a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), que adota a seleção unificada integralmente desde 2010, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que somente passa a reservar vagas pela nota do Enem no próximo ano. Enquanto na primeira os estudantes de fora chegaram a representar 70,5% do total de ingressantes em 2010, na última esse percentual atingiu apenas 8% no ápice dos últimos cinco anos.
- O perfil do aluno da UFCSPA não mudou significativamente com a adoção do Sisu, mas no caso de Medicina, sim, foi alterado: houve a duplicação do número de ingressantes de fora do Rio Grande do Sul - afirma a reitora Miriam da Costa Oliveira.
Foi assim com Vinícius de Souza, de Sorocaba (SP), hoje estudante do 7º semestre de Medicina na UFCSPA. Com a nota obtida no Enem, ele pôde optar por uma vaga na instituição gaúcha ou na federal do Rio de Janeiro, além de ter sido aprovado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em instituições particulares de São Paulo. Aos 18 anos, quando chegou ao Estado, a dificuldade de adaptação foi grande.
- A gente sempre ventila a opção de morar em outro lugar quando escolhe essa carreira, mas eu não estava nem um pouco preparado. Hoje, porém, vejo como foi bom: o primeiro ano aqui foi o pior e também o melhor da minha vida, porque foi aquele em que eu mais aprendi - diz Vinícius.
Referência no ensino de Medicina, o Rio Grande do Sul atrai muita gente de fora, mas tem pouca contrapartida: apenas 8% dos gaúchos matriculados no curso pelo Sisu deixaram o Estado.
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Migração não se repete em outros cursos
O crescimento da migração provocada pelas vagas em Medicina é vista pelo Ministério da Educação (MEC) como a expansão de um efeito existente há tempos em cursos concorridos. Se antes os candidatos viajavam para outras cidades e Estados em uma maratona de vestibulares, hoje podem buscar vagas por meio de um único exame - e acompanhar dia a dia a evolução das notas de corte.
- Assim ficam abertas as provas para mais estudantes, sem que eles sejam obrigados a fazer um périplo pelo país. A mobilidade é uma via de mão dupla. O Estado recebe vários alunos de fora, mas também os envia, e a ideia é essa mesmo: democratizar o acesso à universidade, independentemente do fluxo, se vem daqui ou de lá - garante o secretário de Educação Superior do MEC, Paulo Speller.
No entanto, essa mobilidade ainda é pequena em outros cursos (somando-se os ingressantes de todas as graduações da UFCSPA em 2014, apenas 10,8% são de fora do RS). Custódio Almeida, presidente do Colégio de Pró-reitores de Graduação da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) estima que um índice adequado de estudantes de outros Estados em cada instituição seria de 25%. No ano passado, a média nacional foi de 13%.
- Isso provocaria uma mudança produtiva para a universidade, mas, no final das contas, o nível de mobilidade chegou a ser menor do que quando havia mais vestibulares - revela Almeida, docente da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Com base em uma pesquisa sendo finalizada pela Andifes, Almeida explica que estudantes de outros Estados têm menor representação nas instituições que adotam o Sisu, mas o número se reflete em uma diversidade maior. Se a mobilidade ainda não atinge níveis significativos fora de Medicina, a presença de alunos de todo o Brasil mostra como o processo nacional catalisa a convivência entre as várias regiões em sala de aula.
O que é o Sisu
-Criado em 2010 pelo governo federal, o Sisu seleciona estudantes exclusivamente por meio da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O processo seletivo é realizado duas vezes por ano, geralmente no começo de cada semestre. Cada candidato pode escolher duas opções de cursos, e a nota de corte é calculada todos os dias. A inscrição é gratuita e feita pela internet com o número de inscrição e a senha do Enem.