
Os elefantes-marinhos são, quase sempre, indiferentes aos visitantes. Sob o sol, se esquentam, preguiçosamente. Nos pinguins, a combinação da penugem preta nas costas com o branco no peito lembra smokings, dando a impressão de que vivem uma espera eterna pela grande festa. A celebração, talvez, seja à paisagem divina que os rodeiam.
A Patagônia chilena, no sul da América, não economiza quando o plano é surpreender: glaciares, panorâmicas exuberantes e diversidade de fauna deixam os visitantes hipnotizados. Um cruzeiro pelo Estreito de Magalhães, saindo de Punta Arenas, passando por Ushuaia até Puerto Williams, conhecido como o fim do mundo, apresenta aos passageiros ilhas e canais históricos de muita beleza.
"Dá para brincar de adivinhar o que é cada bloco de gelo, como fazemos com as nuvens." É um pensamento bobo, com uma pitada de ingenuidade de criança, mas é assim que o visitante da Patagônia, no sul do Chile, fica diante da exuberância escancarada da natureza. Com nome oficial de Região de Magalhães e Antártida, o local ficou conhecido popularmente como fim do mundo.
Variável é a palavra que resume o clima nesse destino. Céu aberto, chuva de granizo e sol: tudo no mesmo dia. O que não muda é a constante mania de surpreender as pessoas, seja com um elefante-marinho que resolve levantar a cabeça para ver quem o fotografa seja com a panorâmica do Canal de Beagle depois de (suados) 100 metros de caminhada.
Para explorar esse roteiro, uma boa pedida é fazer um cruzeiro pelas ilhas e canais do Estreito de Magalhães, partindo de Punta Arenas, no Chile, chegando a Ushuaia, na Terra do Fogo, já na Argentina. A viagem, pela empresa Crucero Australis, dura quatro dias e a temporada é de setembro a abril. Fora desse período as águas ficam congeladas, impossibilitando a navegação.
Se você procura por passeios de navio no estilo micareta, com atividade na piscina e música caribenha, todo o tempo, esqueça. A navegação a bordo do Stella Australis, embarcação fabricada em 2010, com capacidade para 210 passageiros, segue no sentido oposto.
Seus janelões de vidro nos salões principais convidam à contemplação, pura e simplesmente. É comum ver senhores e senhoras, sentados em confortáveis poltronas, lendo ou olhando a paisagem enquanto conversam.
O passeio tem objetivo de agregar conhecimento, tanto histórico quanto da natureza local. Todos os dias há palestras (em espanhol e inglês) sobre a flora e a fauna dos pontos de desembarque, além de instruções para resguardar a segurança de todos nas saídas a bordo dos botes Zodiac.
Esses botes são o ingresso para a aventura de verdade. Primeiro porque estar no mar, em águas com temperatura média de 7 graus, causa uma gostosa sensação de adrenalina. Segundo porque eles levam para os passeios de descobertas nas baías e ilhotas ao longo do percurso.
Os tripulantes se dividem em grupos, de cerca de 12 pessoas, e, como parte das atividades de conhecimento do local, devem responder a perguntas. A equipe que conseguir mais pontos ganha o prêmio: uma viagem ao Brasil. Se a notícia foi um pouco frustrante para os passageiros brasileiros, por outro lado é motivo de comemoração dos gringos.
A primeira parada é na Baía Ainsworth, dentro do Parque Nacional Alberto de Agostini, onde se localiza o glaciar Marinelli. Prepare-se para uma caminhada em um lugar lindo, mas barrento e úmido. Portanto, o recomendável é usar botas de trekking. No caminho, descobrem-se diques feitos por castores e cachoeiras entre as montanhas.
Pergunte ao guia se é possível fazer uma trilha um pouco mais íngreme, em um morro do lugar, para ser presenteado com uma vista incrível que mescla tons verdes da vegetação com azuis do céu e do mar, além do branco de alguns blocos de gelo boiando na água e de parte da Cordilheira Darwin.
Lá encontrará uma colônia de elefantes-marinhos, mamíferos enormes que ficam descansando, preguiçosamente, ao sol. Por prudência, é preciso manter uma distância dos animais, mas o afastamento não impede os registros fotográficos. Se der sorte, um deles pode resolver averiguar quem anda em seu terreno e você terá a chance de observar melhor a cara dócil, que contrasta como seu tamanho exagerado.
Paredões de gelo
Durante o inverno na Patagônia, há uma acumulação de neve que começa a comprimir-se. À medida que se aglomeram novas camadas, o próprio peso compacta e forma-se o gelo glaciário. Quando o vale tem formato de V, formam-se fiordes. Com formato de U, surgem as geleiras. Normalmente, vemos só 10% do bloco de gelo fora da água, os outros 90% estão submersos.
A coloração azul dos glaciares se deve ao seguinte efeito óptico: a luz solar que incide sobre o gelo é de cor branca e composta de três cores principais (vermelho, verde e azul). O gelo absorve as ondas de tons vermelho e verde, o que produz a aparência azul.
O navio não consegue chegar próximo às geleiras e, por isso, não é possível tocá-las. A melhor maneira de fazer isso é pegando os pedaços que chegam até a areia da praia. Mas cuidado: são muito mais pesados do que parecem. Se, em vez disso, quiser apreciar a vista, antes, se abasteça de um copo de uísque, com direito a pedras de gelo milenar, servido pela tripulação. Para os avessos ao álcool, chocolate quente. Ambas as bebidas fornecem um calorzinho ao corpo em meio ao frio austral.
Depois, finalmente, verá os famosos pinguins de Magalhães nas ilhotas Tuckers. Os animais chegam ao local na primavera para se reproduzir. Nesse ponto, os botes só navegam ao redor das ilhas. Não é permitido descer e caminhar por entre as aves, para não atrapalhar o ciclo do frágil ecossistema.
A boa notícia é que os animais não se intimidam com a presença humana. Um ou outro se arrisca a caminhar na direção dos botes, causando alvoroço e disputa entre os tripulantes para ver quem ficará mais à frente na embarcação. Divirta-se acompanhando o andar deselegante deles.
Será possível observar também outras aves marinhas, como cormorões, gaivotas austrais, chimangos ou tiuques. Nos desembarques, lembre-se de levar uma bolsa apropriada ou mesmo um saquinho para proteger sua câmera da água e sempre carregue um pedaço de pano limpo para limpar a lente, que insiste em embaçar com os pingos das chuvas repentinas.