Não faz muito sentido bebericar um pinot noir encorpado e cheiroso olhando o pessoal se jogar de uma ponte, mesmo que pendurado por uma corda de bungee, mas na região de Central Otago, na Ilha Sul da Nova Zelândia, tanto os esportes radicais como as visitas a vinícolas esplendorosas são opções bem populares.
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Minha mulher e eu resolvemos tirar proveito do lugar, já que fazíamos uma pausa entre caminhadas no Parque Nacional Fiordland, mas decidimos deixar de lado a loucura dos saltos no rio em favor da segurança do "passeio do vinho" - e fico feliz em poder dizer que fizemos a escolha certa. Na verdade, não tínhamos planejado nossa viagem - uma excursão de três meses que serviu de lua de mel tardia - tendo em mente o tema vinícola, mas a alegria serena e absoluta dos 18 vinhedos que acabamos explorando na área que também é uma das produtoras de vinho mais meridionais do mundo, foi uma descoberta maravilhosa.
Durante nossa visita à Nova Zelândia, um mês antes da colheita das uvas, começamos nossa expedição pela Chard Farm, propriedade que fica no deserto do Vale Gibbston, com vista para as águas geladas no rio Kawarau. Ali, provamos o gewürztraminer, do qual Rob Hay, dono e vinicultor, confessou não ser muito fã, mas que produzia para agradar a mulher, a alemã Gerdi. Aproveitamos também para ver alguns alucinados saltando da Ponte Kawarau, um dos primeiros locais de prática do bungee jump do planeta.
Há três sub-regiões bem diferentes em Central Otago: o Vale Gibbston, que fica entre duas cordilheiras, mais alto (e frio) que as outras duas, Cromwell e Bannockburn, a uns 32 quilômetros para o leste e o Rio Kawarau que atravessa o vale em um desfiladeiro profundo e dá no Lago Dunstan que, apesar de artificial, tem uma cor verde magnífica e divide as duas cidadezinhas.
Na Ilha Sul, bem menos povoada que a Norte, até as principais rodovias se contorcem ao redor das montanhas, quase sempre se estreitando para virarem pontes de faixa única. O caminho para Chard Farm que subia, íngreme, a partir da estrada principal, não passava de uma trilha coberta de cascalho equilibrada na borda do penhasco. Não havia nem parapeito. Por um segundo, pensei que podíamos parar no Kawarau River _ e sem bungee. Felizmente, o nosso guia, Jim Ashe, sabia administrar muito bem os pedregulhos escorregadios.
De vinícola em vinícola
O esquema das propriedades abertas aos turistas e a degustação varia bastante. Mt. Difficulty, talvez a mais comercial de todas, oferece um restaurante que exige reservas. Ônibus lotados despejam os passageiros lá dentro e se acomodam no estacionamento que fica na frente de um heliponto. Nós preferimos sentar no sofá de balanço do pátio coberto para admirar a vista do Bannockburn no vale lá embaixo.
Ali do lado fica o Gate 20 Two, ou o salão de degustação, que é bem menos formal. Pauline McKinlay, que cuida da minúscula vinícola ao lado do marido, nos recebeu na entrada. Do outro lado da estrada, a Domain Road, a área de degustação consistia basicamente em dois bancos sob a sombra de uma árvore na frente do bangalô reformado que já foi de um mineiro, onde o vinicultor Graeme Crosbie batia papo com Jim enquanto seu cachorro fazia festa aos nossos pés. Jim comprou uma garrafa de sauvignon blanc para o jantar daquela noite.
As três vinícolas ficam na Felton, perto de Bannockburn, e oferecem os pinots mais deliciosos que encontramos. Enquanto as versões do Oregon ou da Califórnia são leves e deixam um aroma de musgo no nariz, a de Central Otago é famosa pelas notas frutadas profundas, com um toque de especiarias. O rótulo de 2010 de Mt. Difficulty e Gate 20 Two entraram para a lista dos melhores 300 e poucos que provei no país.
Cromwell, que abriga algumas das vinícolas mais conhecidas da região, fica embaixo de uma paisagem desértica estranhamente aterraçada. A princípio, a área atraiu mineiros em busca de ouro, nos idos de 1890 que, durante suas buscas, nivelaram colinas e montanhas, criando planaltos artificiais que existem até hoje. Algumas, inclusive, até usam as construções que os homens deixaram para trás.
Na GeorgeTown, que fica na entrada Cromwell, o salão de degustação é uma estrutura de teto inclinado de 18,6 metros quadrados que faz parte do que, há mais de um século, era um assentamento. Os mais altos têm que se curvar para se acomodar no espaço em que dormiam seis ou sete mineiros.
Um almoço típico
No segundo dia em Cromwell e Bannockburn, dessa vez sem a ajuda de Jim, descobrimos novos contrastes que tornam a área tão atraente tanto para o turista casual como para o enófilo mais obcecado. Uma estrada de terra às margens do Lago Dunstan levam a Carrick, um dos maiores produtores do país. Ali, tivemos a oportunidade de provar o almoço típico das vinícolas neozelandesas: uma bela travessa com azeitonas recheadas, chorizo, cerejas assadas, mexilhões e vários tipos de queijo.
Há, porém, exceções: na Wild Earth, encarapitada sobre o desfiladeiro do Rio Kawarau, Quintin Quider, defuma carnes em barris de pinot noir antigos, o que resulta na deliciosa batata manuka, e serve molhinhos em conchas. No Amisfield, bistrô prestigiado que fica em uma das vinícolas mais famosas da região, pertinho de Queenstown e no sopé da Remarkables (cordilheira popular entre os esquiadores), provamos uma gelatina de sauvignon blanc vendo a criançada jogar bocha no campo ao lado da nossa mesa.