Por razões óbvias, muitos paulistanos ainda consideram o centro velho da cidade uma zona proibida.
Roubos de carros e gangues de sequestradores atacam motoristas nos semáforos. Ocupações enchem prédios de apartamentos com milhares de sem-teto. Viciados em drogas andam pelas ruas fumando crack em plena luz do dia.
Mas basta entrar no cybercafé de Jean Katumba para ter acesso a uma imagem completamente diferente.
- Eles dizem que o lugar é feio, mas eu vejo a beleza, afirmou Katumba, de 37 anos, que chegou da República Democrática do Congo há apenas 11 meses.
Formado em engenharia em Kinshasa, na capital congolesa, ele ganha a vida na Baixada do Glicério, um bairro bastante perigoso, alugando computadores para clientes que falam uma série de idiomas, do crioulo haitiano, ao espanhol com sotaque colombiano e o Lingala de sua terra natal.
- São Paulo significa algo muito importante para mim: uma oportunidade, afirmou.
Uma série de negócios similares criados por imigrantes está surgindo no centro velho, refletindo as mudanças no padrão migratório internacional. Reforçando o status de São Paulo como a cidade mais global do Brasil, asiáticos, em sua maioria da China, africanos e latino-americanos de língua espanhola estão vindo para cá.
São Paulo, a maior cidade da América Latina, com uma população metropolitana que se aproxima dos 20 milhões de pessoas, possui oficialmente cerca de 368 mil estrangeiros. Mas à medida que a melhoria no padrão de visa do brasileiro passa a chamar atenção nos países mais pobres, a cidade está passando por um aumento no número de chegadas de imigrantes sem documentos. Embora as estimativas variem drasticamente, as autoridades creem que o número de migrantes esteja em torno de 600 mil, muito menos do que em lugares como Nova York - que conta com mais de 3 milhões de habitantes nascidos em outros países - mas consideravelmente mais do que qualquer outra cidade brasileira.
Nas ruas, esse influxo está trazendo vitalidade à área central, que nas últimas décadas se tornou a epítome do abandono e da degradação de grandes áreas em São Paulo.
- Às vezes eu preciso passar por cima de um viciado em crack para poder abrir a porta do restaurante. Mas tudo bem, já que chegar até aqui é parte da experiência da nossa clientela, afirmou Edgard Villar, de 36 anos, um peruano falante de quéchua cujo restaurante, o Rinconcito Peruano, no segundo andar de um prédio sem letreiro, atrai hipsters tatuados de áreas muito mais prósperas da cidade.
Passar pelas ruas e vielas do centro de São Paulo nem sempre envolve todas essas emoções.
Durante séculos depois da chegada dos jesuítas que fundaram a cidade em 1554, a vida das classes mais altas girava em torno do centro velho, onde os primeiros monumentos surgiram, incluindo a bolsa de valores e arranha-céus modernistas. Os imigrantes, em grande parte da Itália, Portugal, Espanha e do Oriente Médio encheram a área no fim do século XIX e início do XX.
Entretanto, nas últimas décadas as construtoras passaram a renegar o centro velho, dando início a uma extensa metrópole enforcada pelo trânsito e caracterizada por condomínios fechados, enormes favelas, shopping centers cheios de seguranças, arranha-céus luxuosos equipados com heliportos, uma série de parques e novos distritos financeiros ao longo da Avenida Paulista e da Avenida Brigadeiro Faria Lima.
Enquanto isso, o centro velho, apesar de sua rede invejável de transporte público, começou a declinar ainda mais, com os prédios cada vez mais baratos recobertos de pichações, o grafite indecifrável de São Paulo que mais se parece com a velha escrita rúnica da Escandinávia.
- Essa área é perigosa, mas o custo ainda é mais baixo, afirmou Kwok Man Long, de 28 anos, um imigrante chinês dono de uma loja de materiais elétricos. A comunidade chinesa de São Paulo, composta em sua maior parte por donos de pequenas empresas, como restaurantes e lojas de materiais de construção, supera as 100 mil pessoas, segundo estimativas dele e de outros da comunidade.
As novas ondas migratórias de São Paulo são completamente diferentes das anteriores. Depois da queda do Imperador Dom Pedro II em 1889, a primeira constituição republicana do Brasil promovia a política do "branqueamento" da sociedade brasileira por meio da imigração europeia, acompanhada da proibição da imigração de africanos e asiáticos, segundo especialistas.
Uma exceção importante foi a imigração de japoneses, que transformou o Brasil na maior comunidade mundial desses imigrantes, com mais de 1.3 milhões de pessoas. Nos últimos anos, a Liberdade, bairro tradicionalmente japonês no centro da cidade, testemunhou um crescimento acelerado no número de imigrantes chineses.
Muitos dos novos imigrantes de São Paulo - sejam eles da Ásia, da América Latina, ou da Europa - são atraídos em parte pelas leis migratórias relativamente tranquilas.
Embora a legislação criada em 1980 durante a ditadura militar no Brasil crie uma série de obstáculos para a imigração legalizada, as deportações são muito raras. Além disso, as autoridades concederam anistia para imigrantes ilegais em diversas ocasiões desde os anos 1980, permitindo que pessoas que ficam além do tempo determinado por seus vistos ou que tenham entrado através das fronteiras porosas do país sem autorização possam legalizar sua permanência.
As dificuldades continuam para muitas pessoas em torno dos negócios encabeçados por imigrantes estrangeiros no centro velho, e as autoridades fazem batidas regulares em fábricas de roupas onde trabalhadores - em grande parte Bolivianos e Peruanos - foram encontrados em condições análogas às de escravidão.
A vulnerabilidade de alguns dos imigrantes à exploração e aos crimes violentos ficou evidente em um episódio trágico ocorrido no ano passado, quando assaltantes atiraram e mataram o filho de cinco anos de imigrantes bolivianos em uma invasão que deu errado. Centenas de bolivianos, um dos maiores grupos de imigrantes de São Paulo, saíram as ruas para protestar na mesma época das manifestações que viraram o país de cabeça para baixo.
- De repente, em meio aos protestos nas ruas, os boliviano começaram a sair das sombras. Foi um exemplo vívido dos imigrantes conseguindo um espaço na esfera política nacional, afirmou Jeffrey Lesser, historiador da Emory University, em Atlanta, na Georgia, especializado em imigração no Brasil.
Diretores de cinema e escritores brasileiros já começam a se inspirar na nova onda migratória. Em um exemplo recente, "Destino: São Paulo", uma minissérie de ficção produzida para a HBO Brasil, exibe a história de imigrantes coreanos, nigerianos, chineses, bolivianos e judeus ortodoxos na cidade.
Tentando atrair moradores para o centro velho, as autoridades reformaram pérolas arquitetônicas como a Estação Júlio Prestes, convertida na casa da orquestra sinfônica da cidade de São Paulo. Os visitantes podem assistir shows no local e chegar e sair de carro, evitando o medo dos assaltos tão comuns na Cracolândia, como é conhecida a área de consumo de crack em torno desses monumentos culturais.
Mas para quem caminha em meio ao labirinto das ruas do centro, a dinâmica que torna São Paulo um dos maiores destinos de imigrantes entre os países em desenvolvimento se torna clara. No primeiro andar de um prédio ocupado na Alameda Barão de Limeira, uma rua repleta de velhos edifícios em estilo Art Deco, Mélanito Biyouha explica a situação.
- Eles dizem que São Paulo é a Nova York do Brasil, mas algum dia as pessoas talvez vejam Nova York como a São Paulo dos Estados Unidos. A cidade não é perfeita, mas o mundo está vindo para cá, afirmou Biyouha, de 43 anos, uma imigrante camaronesa dona de um restaurante que oferece comida de sua terra natal e de outros países africanos.