
Era um desafio hercúleo para um viajante solitário na savana africana: usando somente um Fiat de US$ 23 por dia e meus miolos, eu tinha de contornar na surdina os seis leões adormecidos que bloqueavam a estrada cascalhada adiante. Por mais que desejasse ficar olhando para eles durante uma hora e depois voltar, estava atrasado para o toque de recolher no Crocodile Bridge Rest Camp, uns 25 quilômetros adiante, e, em fevereiro, no Parque Nacional Kruger, África do Sul, os veículos devem deixar as estradas às 18h30min.
A abordagem prudente parecia ser seguir adiante, lentamente. Se um carro pudesse andar na ponta dos pés, era assim que deveria ser. Os dois leões mais próximos continuavam cochilando, com as costelas ondulando com tanta velocidade que eles deviam estar correndo atrás de um impala delicioso em seus sonhos. Adiante, a três metros, a fêmea saltou e me encarou. Segurando a câmera, o volante e o câmbio, eu fui para trás rapidamente e estava me movendo para frente outra vez quando, com o coração disparado, vi que a janela estava aberta.
Quando a maioria das pessoas imagina a lista de coisas que deve fazer antes de morrer em um safári na África, elas costumam estar na traseira de um jipe 4x4, sem ter de se preocupar com as câmeras, enquanto um guia especializado fica de olho em rastros de guepardo e estrume de rinoceronte. Depois, elas voltam para o hotel de luxo para tirar seu chapéu de palha, curtir uma bebida e relembrar as cenas vistas durante o dia.
Parque Nacional Kruger
Foto: Seth Kugel, The New York Times

Tal conforto está muito longe do alcance da maioria dos viajantes e, certamente, do meu. Porém, como os sul-africanos já sabem, existe uma alternativa barata que envolve dirigir você mesmo, cozinhar para si mesmo e acampar, gastando cerca de US$ 100 pela diária do casal no Kruger, incluindo tudo, menos a parte aérea. Prefere uma cama? Reserve uma "barraca de safári" e gaste US$ 120.
Substituindo cidades para economizar
O safári ao volante não era a única alternativa barata na viagem de 16 dias pelo sul da África em fevereiro. Escolhi os encantos simples de um acampamento na montanha por US$ 14 a diária na Suazilândia, em vez das atrações habituais daquela monarquia minúscula - o Vale de Ezulwini, lar do polígamo rei Mswati III. Fiquei na exuberante Durban e não na Cidade do Cabo, sua prima mais famosa no litoral. O resultado talvez tenha sido mais bruto do que um itinerário tradicional, mas também mais recompensador e raramente sem emoção.
Onde eu estava? Ah, sim, encarando um leão feroz com a janela escancarada. Fechei a janela e recuei temporariamente. Agora que todo mundo estava acordado, avancei pelo lado oposto da estrada enquanto os leões se perdiam no mato. Meu coração continuava acelerado ainda lembrando da cena. Aquilo durou uns dois minutos, até que três girafas passaram a passos lentos na minha frente.
Tamboti Tented Camp, no Parque Nacional Kruger
Foto: Seth Kugel, The New York Times

Foi o encontro mais próximo que tive com a vida selvagem, mas não por muito tempo. Sem guia turístico e usando apenas mapas, conselhos táticos de um bôer bebedor de uísque na barraca ao lado e (quando o sinal do celular permitia) uma ou outra tuitada, vi milhares de impalas, centenas de zebras, dezenas de elefantes, girafas e gnus, seis rinocerontes-brancos e muitos hipopótamos na água. Também havia um bando de babuínos, alguns com os filhotes pendurados na barriga ou montados nas costas, que ocupavam a estrada feito um enxame de gafanhotos.
Montei minha barraca em meio a bôeres amistosos que invariavelmente tinham instalações mais luxuosas. Na terceira noite, optei por uma barraca de safári, estrutura rústica, mas permanente com camas confortáveis, varanda e geladeira.
Na Suazilândia
Evitei o itinerário padrão - parques, cassino e o Vale do Ezulwini, base natal da monarquia - em favor do Shewula Mountain Camp, que havia sido recomendado por alguém que conheci no Kruger como local de veraneio administrado por moradores com um toque bem leve. O preço também era leve - 150 rands por uma cama em um dormitório numa cabana de sapé.
Bastaram alguns minutos para gostar da Suazilândia. Para começar, havia os tons infinitos de verde, indo do amarelo-esverdeado das folhas secas de cana-de-açúcar até o verde-escuro profundo das montanhas distantes. E depois, subindo 16 quilômetros da estrada de terra num tom laranja queimado, que passa pela vila Shewula e vai ao acampamento, as coisas tomam um visual surreal: crianças acenavam enquanto eu cruzava uma mistura de casas de sapé e estruturas mais modernas de alvenaria.
Parque Nacional Kruger
Foto: Seth Kugel, The New York Times

Logicamente, o que se vê raramente é a história completa. Não fiquei surpreso ao saber, pela mulher que me recebeu, que o vilarejo era muito pobre e fora devastado pela aids.
O acampamento no topo da montanha em si era organizado e modesto - até que cheguei ao seu limite, onde encontrei uma vista abrangente das montanhas e dos vales que se estendiam abaixo.
Em Durban
Havia escolhido a litorânea Durban como alternativa à Cidade do Cabo sabendo que ela seria menos bonita, mas mais diversificada e amigável. Sempre desconfio quando populações inteiras são descritas como amistosas, mas no dia e meio que passei por lá, um estranho me pagou uma cerveja durante o almoço, um taxista abandonou a rota para me levar a seu restaurante favorito, e o balconista de uma loja de conveniência perguntou alegremente de onde eu era e me desejou uma boa estada.
Parque Nacional Kruger
Foto: Seth Kugel, The New York Times

A principal atração de Durban é a Golden Mile, faixa de praias e píeres ligados por um calçadão orlado por palmeiras e com pistas para ciclistas e corredores. Embora não tenha a beleza do litoral da Cidade do Cabo, era um mundo em si. Em nenhum outro lugar a diversidade da cidade é mais evidente. Corredores de shorts passavam, uma mulher de véu muçulmano trotava atrás da filha, indianos lotavam restaurantes do calçadão, um surfista branco de meia-idade saía da água, um time de futebol de negros treinava na areia.
Nem tudo foi perfeito nesse roteiro alternativo. Porém, ao me ver sozinho numa estrada de terra serpenteante, almoçando a 10 metros de um rinoceronte, tenho a certeza de que não existe alternativa para esse cenário.
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