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O brasileiro que decide passear no Canadá costuma oscilar entre as paisagens de Vancouver, os arranha-céus de Toronto, a grandiloquência das cataratas do Niágara ou o charme francês de Montreal.
Quando é o próprio canadense quem explora o país, porém, há outra região que aparece no topo da lista de preferências: a Nova Scotia. Ligada ao continente por uma faixa estreita de terra, essa pequena província, com apenas 20% do tamanho do Rio Grande do Sul, é um mundo à parte cercado de Atlântico por todos os lados.
No fim do ano passado, durante viagem pelas metrópoles e paisagens mais divulgadas do Canadá, foi essa região pouco conhecida, e da qual nada esperava, que mais me surpreendeu. Deparei com uma sucessão de vilarejos pitorescos, encravados entre um litoral entrecortado por enseadas e uma quantidade aparentemente infinita de pequenos lagos de água doce. O resultado dessa combinação é o que se costuma definir como paisagens de tirar o fôlego.
Aos belos cenários juntam-se as praias, uma cultura de atividades ao ar livre e as temperaturas médias mais altas do país, sem falar nas florestas e na vida selvagem, que costuma bater ponto pelas estradas e nas franjas das cidades, com destaque para cervos, alces, focas e principalmente ursos - a cada ataque a algum gato ou cachorro, eles se transformam em notícia e sobressaltam os pais de crianças pequenas.
Quando se aposentam, muitos canadenses vendem o que têm e vão morar perto do mar e da natureza na Nova Scotia. Além do mais, essa é uma opção econômica. Na região, compra-se uma casa dos sonhos - daquelas de dois andares, revestimento de madeira e um amplo gramado - pelo equivalente a 300 mil dólares canadenses. Os imóveis são tão acessíveis que muitos dos 7 mil estudantes estrangeiros (que respondem por 15% das matrículas nas 10 universidades da província) costumam comprar um imóvel para viver durante os quatro ou cinco anos de estudos.
A educação superior, aliás, é a segunda maior indústria da Nova Scotia, atrás apenas do petróleo. Com centenas de representantes, os brasileiros tornaram-se prioridade das autoridades educacionais locais. Eles são atraídos por cursos universitários que custam em torno de R$ 20 mil por ano - com moradia, transporte e alimentação, a despesa sobe para R$ 40 mil.
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Paisagens Irresistíveis
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Crédito: Itamar Melo/ Divulgação
Se você apanhar um carro e dirigir a 80 km/h, levará 15 horas para percorrer todo o litoral da província. Mas é impossível fazê-lo. Você vai ser tentado a parar quilômetro após quilômetro, para apreciar panoramas espetaculares. Se descuidar, o trajeto pode durar semanas.
Um dos recantos aos quais será impossível resistir é Peggys Cove. Trata-se de uma pequena vila de pescadores ao redor de uma enseada de águas plácidas, tomada por embarcações coloridas e armadilhas para apanhar lagostas (o crustáceo custa cerca de 9 dólares canadenses o quilo e é vendido até no aeroporto, para ser levado vivo, em embalagem apropriada, na viagem de volta para casa).
Encarapitadas em rochas à beira da água, há um punhado de casas no estilo típico da região: elas são construídas com duas camadas de madeira, que têm como recheio materiais que isolam a temperatura e a água.
Algumas centenas de metros adiante, à beira do mar bravio, levantam-se rochedos graníticos formados 20 mil anos atrás. Sobre eles está o farol imponente - símbolo da relação ancestral da Nova Scotia com o Atlântico e um dos pontos mais fotografados do Canadá. Dali você poderá enviar um cartão-postal da única agência de correios localizada em um farol.
Halifax renovada
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Crédito: Brand Canada/ Divulgação
Capital de um Estado do sul do país, com as quatro estações do ano bem definidas, a cidade nasceu no século 18, à beira de um corpo de água que parece rio, mas não é. O Centro, cheio de edifícios altos, começa junto à margem e se estende morro acima. De tempos em tempos, um catamarã deixa o cais para levar passageiros ao município do outro lado.
Poderia ser Porto Alegre, mas trata-se de Halifax, centro urbano localizado diante de um braço tranquilo do Atlântico no qual vive mais da metade dos 935 mil habitantes da Nova Scotia.
Apesar das semelhanças, não há como confundir as duas cidades. Na canadense, não se veem muros ou grades, não existem pichações e as ruas não estão poluídas por emaranhados de fios elétricos. Em quatro dias, não foi possível ver um único motoqueiro no trânsito. E o velho cais decadente foi convertido há anos em um espaço de compras, cultura e lazer. Desde então, passou a receber 130 navios de cruzeiro a cada temporada, de maio a outubro. Cada um deles despeja de 3 mil a 5 mil passageiros, que chegam a deixar 1 milhão de dólares canadenses no comércio local em apenas um dia.
Com quatro quilômetros de extensão, a área revitalizada ocupa um espaço cheio de história. Em séculos anteriores, era o local onde os corsários ancoravam os navios capturados para repartir o butim com a coroa britânica. Foi também pelo cais de Halifax que cerca de um milhão de imigrantes chegaram ao Canadá.
Na II Guerra Mundial, graças ao calado de cem metros, o porto local ombreou em importância com o de Nova York e foi tomado por submarinos alemães que tentavam afundar as embarcações com suprimentos dos Aliados. Ainda hoje, a área é sobrevoada todos os dias por helicópteros com tecnologia para detectar a presença de submarinos - o temor agora é a espionagem.
Os velhos depósitos e os prédios administrativos do porto, erguidos em pedra ou madeira, estão hoje reformados e pintados. Abrigam bares, restaurantes, lojas, memoriais e museus. Há um amplo mercado onde fazendeiros da região podem oferecer seus produtos, o mais antigo em operação na América do Norte. Também é possível visitar corvetas do tempo da II Guerra Mundial ou encontrar barcos turísticos.
De uma ponta à outra, os visitantes podem percorrer a orla por uma passarela de madeira, repleta de bancos. Ao longo do trajeto, há uma série de recantos, como praças infantis com temática marinha ou gramados equipados com mesas e cadeiras. Valorizados pela revitalização, os condomínios residenciais lançados no local estão entre os mais caros da cidade.
Para relembrar o Titanic
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Crédito: Itamar Melo/ Divulgação
"Erigido em memória de uma criança desconhecida cujos restos foram resgatados depois do desastre do Titanic." Os dizeres constam da lápide mais famosa do cemitério Fairfield, em Halifax. Ao redor dela, estão os túmulos de outras 120 vítimas do naufrágio, uma das tantas tragédias que marcam a história da Nova Scotia.
Halifax era o porto mais próximo do local onde o Titanic afundou, em 15 de abril de 1912, causando a morte de 1.517 pessoas. Dois dias depois, o navio Mackay-Bennett zarpou da cidade canadense para procurar pelos corpos. Em cinco dias, a tripulação localizou 306 vítimas, das quais 116 foram sepultadas no mar. As demais foram levadas para a capital da Nova Scotia. Outros três barcos deixaram o porto e também conseguiram recuperar corpos. A maior parte das vítimas foi sepultada em três diferentes cemitérios de Halifax.
Fairfield, com o maior número de túmulos, tornou-se um local de peregrinação para turistas, principalmente depois do filme Titanic, lançado em 1996. As lápides, pagas pela White Line Star, proprietária do navio, são quase todas iguais: um simples bloco de granito com inscrições. Outras, encomendadas por parentes ou amigos, são mais elaboradas.
Uma das mais visitadas é a de J. Dawson, que muitos acreditam ser de Jack Dawson, o personagem ficcional que Leonardo DiCaprio interpretou no sucesso dos cinemas. Na verdade, quem está enterrado no local é Joseph Dawson, um irlandês que trabalhava na caldeira do Titanic.
Ainda mais comovente do que o cemitério é o acervo reunido no Museu Marítimo do Atlântico, um ponto de visita obrigatório para quem vai a Halifax. O espaço reúne centenas de objetos do navio naufragado e de seus passageiros. Há calçados de crianças, espreguiçadeiras que ficavam no deck, fragmentos da escadaria, móveis, ementas de refeições, botões dos uniformes da tripulação e grande quantidade de documentos.
As tragédias na história da Nova Scotia
Visitar a Nova Scotia significa também encontrar os traços de outros grandes desastres que afetaram a região
Voo Swissair 111
Em 2 de setembro de 1998, uma avião da Swissair que fazia a rota entre Nova York e Genebra caiu no Atlântico, quando tentava fazer um pouso de emergência em Halifax. A queda ocorreu a oito quilômetros da costa da Nova Scotia, a pequena distância de Peggys Cove. Um monumento às 229 vítimas foi erigido na praia, no ponto mais próximo ao local do desastre.
11 de Setembro
O espaço aéreo americano foi fechado na sequência dos ataques, e 47 aviões que estavam no ar tiveram de pousar no aeroporto de Halifax. Os moradores lembram com orgulho dos dias em que acolheram em suas próprias casas os forasteiros, até que eles pudessem seguir viagem.
A explosão de Halifax
A tragédia mais traumática para a Nova Scotia ocorreu na manhã de 6 de dezembro de 1917, quando dois navios, um deles carregado de explosivos, colidiram no porto de Halifax. A explosão, a maior ocorrida na história antes da era atômica, destruiu boa parte da cidade e provocou um incêndio de enormes proporções. Morreram 2 mil pessoas. Outras 9 mil ficaram feridas. A tragédia é evocada com vivacidade pelo Museu Marítimo do Atlântico e pelos moradores - quase todas as famílias perderam alguém na explosão.
*O repórter viajou a convite do Consulado do Canadá em São Paulo