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A vista de cima dos muros de quase 900 anos de um dos fortes habitados mais antigos do mundo era impressionante, para dizer o mínimo. Cerca de 76 metros abaixo de mim, a cidade de Jaisalmer, no oeste do Rajastão, na Índia, toda em arenito, lembrava uma pintura cubista terrosa, de casas angulares, cercadas por uma paisagem árida que parecia infinita. Acima de tudo isso, o céu noturno, com um brilho arroxeado.
Eu tinha ido a Jaisalmer, no meio dos 200 mil quilômetros quadrados do Deserto do Thar, para explorar essa parte antiga do Rajastão e fazer uma excursão de três dias, de camelo, no meio do nada. O forte, conhecido como Sonar Quila ou "Fortaleza Dourada" por causa da forma como o sol brilha em seus muros ao longo do dia, também era um dos principais motivos da minha visita.
Um labirinto de vielas pontilhadas
No entanto, logo descobri que Jaisalmer tem um charme próprio. Apesar de poeirenta, a cidade é bem diferente do excesso de gente e da sujeira de Nova Déli, por onde eu tinha entrado no país. Suas ruas estreitas eram cheias de vendedores oferecendo bolsas de couro, tecidos, roupas, bijuterias e especiarias. Movimentadas, sim, mas o clima era bastante agradável e tranquilo.
E o forte, aonde se chega por meio de uma estrada de pedra estreita que atravessa uma série de portões de pedra, não decepcionou: seu interior parecia um labirinto de vielas pontilhadas de "havelis" - construções centenárias de arenito, inteiramente cobertas de entalhes intricados de deuses, símbolos geométricos e figuras mitológicas.
Um dia, pela manhã, explorei um grupo de templos Jain esculpidos que havia dentro do forte. Depois, à tarde, aluguei um riquixá para ver as dezenas de "chhatri cenotaphs" em uma ruína próxima, chamada Bada Bagh - mas o grande destaque foi poder me sentar sobre a muralha um pouquinho antes do sol se pôr, com uma xícara de chai, para ver as crianças empinando pipas dos telhados vizinhos.
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A Índia por outro ângulo
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Foto: Russ Juskalian/ The New York Times
Na noite anterior ao meu passeio de camelo por Jaisalmer, passei meia hora batendo papo com Dilip, dono de uma "bhang shop" na esquina ao lado do portão externo do forte da cidade, em uma rua cheia de artesãos de couro. A loja, que funciona com o aval do governo, vende maconha nas mais variadas formas. Pedi um bhang lassi grosso, com pistache moído, açafrão, pimenta-do-reino e coalhada. Tinha gosto de manjar turco na forma de milkshake.
Para quem quiser experimentar, um aviso: o negócio é forte. Quando o "bhang" finalmente me acertou, mal consegui segurar a conversa que tinha engatilhado com outro hóspede.
No dia seguinte, na porta do escritório da Adventure Travel havia outros dois viajantes e três guias, e tive que me apertar em um 4x4 antigo para uma voltinha no deserto antes do amanhecer. Nos três dias restantes, teríamos que esquecer os banhos, comer praticamente só comida vegetariana preparada na fogueira e dormir em colchonetes espalhados pelas dunas. Teríamos que carregar tudo o que fôssemos usar, e empacotar e trazer o lixo de volta.
Depois de uns 45 minutos na caminhonete, desembarcamos no acostamento, onde seis camelos mascavam as folhas dos arbustos próximos a um acampamento temporário. Um pequeno grupo de homens em largos trajes escuros e com cobertores jogados sobre os ombros estava sentado preparando chai. Eles nos ofereceram a bebida, ovos cozidos e pão chapati fresquinho. Nossos guias nos ajudaram a montar nos camelos dizendo que deveríamos reclinar quando eles se levantassem. Cada um de nós tinha seu próprio animal.
Assim que me ajeitei na sela, Deena, que com apenas 20 anos era a guia principal, fez um ruído com o canto da boca que fez o camelo levantar as patas traseiras de repente e quase voei por cima da cabeça do animal.
Um banquete no meio do deserto
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Foto: Russ Juskalian/ The New York Times
Deixamos para trás as estradas de acesso e moinhos de vento que beiravam o deserto e, à hora do almoço, tínhamos entrado em um cenário primitivo, que alternava áreas de areia e pedras com árvores pequenas e arbustos de Calotropis, cujas delicadas flores liberavam uma seiva que podia causar cegueira.
No fim da tarde, conforme o sol se punha, vi antílopes se alimentando. Paramos para montar acampamento em uma duna de areia que se erguia da paisagem plana como uma corcova. As refeições (legumes no curry, chapati e arroz) eram preparadas na fogueira, servidas em pratos de metal e degustadas com as mãos.
Exaustos depois do longo dia, abrimos nossos colchonetes. Puxei as cobertas sobre a cabeça por causa do frio. Fui acordado por um dos nossos guias me oferecendo uma xícara de chai recém-preparado.
O segundo dia foi bem parecido com o primeiro, mas com paradas mais frequentes nas aldeias minúsculas, que os guias explicaram ser de maioria muçulmana ou hindu. Em cada uma, no período mais quente do dia, um rebanho de cabritos ou um grupo de crianças se aproximava para compartilhar da nossa refeição. Na hora do almoço, uma família nos levou ao complexo onde morava e ofereceu coalhada fresca feita de leite de cabrita e ovelha.
- Encontramos um cabrito - anunciou Deena quando paramos para montar acampamento naquela noite: - Se quiserem, o pessoal pode trazer a carne hoje à noite para um curry e um churrasquinho.
Por três mil rúpias (cerca de US$ 5), compramos o animal inteiro, que o parente de um dos guias matou e limpou de acordo com a tradição halal. Quando a carne ficou pronta, éramos três turistas, três guias e meia dúzia de homens de um vilarejo próximo sentados ao redor de três fogueiras jogando conversa fora.
Com o estômago cheio e o fogo ainda alto, me acomodei no colchonete. Depois do nosso banquete, me senti em um transe mais poderoso do que o da noite em que experimentei o "bhang", e exausto como há muito não me sentia. Olhando as estrelas e ouvindo a conversa dos demais, lembro-me de ter visto as nuvens e de ouvir os pingos de uma chuva tão leve que as gotas evaporavam ao cair no chão, mas não me lembro de ter adormecido.