
Lenore Skenazy, dois filhos, moradora de Nova York, ganhou a alcunha de "pior mãe dos EUA" depois de escrever em uma coluna de jornal que permitia que seu filho mais novo, na época com nove anos, andasse de metrô sozinho. A crítica que teve de enfrentar, incluindo uma ameaça de ser presa por colocar o menino em perigo, aumentou seu desejo de encorajar pais ansiosos a dar a seus filhos a liberdade que eles precisam para desenvolver autoconfiança e resistência de forma a lidar efetivamente com os muitos desafios da vida.
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Um dos resultados foi a publicação, em 2009, do livro Free Range Kids: How to Raise Safe, Self-Reliant Children (Without Going Nuts with Worry) ou Crianças em Liberdade: Como Criar Filhos Seguros e Autossuficientes (Sem Ficar Maluca de Preocupação), em tradução livre. Um segundo resultado é o Projeto Crianças em Liberdade (Free Range Kids Project) e uma série de 13 episódios no Canal Discovery Life chamada A Pior Mãe do Mundo. Nela, Lenore intervém para salvar crianças presas nas bolhas criadas por seus pais superprotetores, guiando-as com segurança por uma sequência de atividades antes proibidas e mostrando aos genitores ansiosos quão bem os pequenos se saem e como ficam orgulhosos do que conseguem fazer.
"Pais helicóptero" pairam sobre mais de uma tarefa dos filhos
O termo "pais helicóptero" se aplica a uma gama muito maior do que só àqueles que pairam sem descanso sobre o desenvolvimento acadêmico e musical de seus filhos. Como é mostrado no primeiro episódio da série, ele é perfeito para a mãe de Sam, de 10 anos, que não o deixa andar de bicicleta ("ela tem medo que eu caia e me machuque") ou cortar seu próprio bife ("Mamãe pensa que vou cortar meus dedos fora"). O apelo de um Sam estressado e frustrado: "Eu só quero fazer as coisas sozinho".
Em uma entrevista, Lenore afirmou: "Depois de termos passado por uma lavagem cerebral com todas as histórias que ouvimos, existe um medo predominante de que, a qualquer momento em que você não esteja diretamente supervisionando seus filhos, estará os colocando em perigo".
Menos tempo nas brincadeiras
Peter Gray, psicólogo e pesquisador do Boston College, autor do livro Free to Learn: Why Unleashing the Instinct to Play Will Make Our Children Happier, More Self-Reliant, and Better Students for Life (Livre para Aprender: Por Que Liberar o Instinto Para Brincar Deixará Nossas Crianças Mais Felizes, Mais Autoconfiantes e Melhores Alunas por Toda a Vida), afirmou em uma entrevista: "Se as crianças não têm permissão para enfrentar problemas de rotina, terão menos capacidade para lidar com riscos reais".
Por exemplo: o serviço de aconselhamento dos colegas de Gray viu dobrarem as taxas de "chamadas de emergência" nos últimos cinco anos, "a maioria por problemas que as crianças costumavam resolver sozinhas", como serem xingadas por um colega ou encontrar um rato no quarto.
Nas décadas passadas, as crianças inventavam suas próprias brincadeiras e, no processo, adquiriam habilidades importantes para vida. Gray explica: "Em jogos de pega-pega, as crianças fazem suas próprias regras, negociam e descobrem o que é mais justo para que fiquem felizes. Desenvolvem criatividade, empatia e habilidade para ler a mente dos outros jogadores, em vez de ter adultos estabelecendo as regras e resolvendo todos os problemas".
Gray faz uma conexão entre a diminuição das horas de brincadeiras entre crianças pequenas e o aumento astronômico em depressão infantil e desordens de ansiedade, que são cinco a oito vezes mais comuns nos anos 2010 do que na década de 50.
"Os jovens de hoje são menos propensos a ter uma sensação de controle sobre suas próprias vidas e têm uma tendência maior a sentir que são vítimas das circunstâncias, o que é indicativo de ansiedade e depressão", afirma Gray.
Obesidade e diabetes estão entre as consequências
Existem também consequências físicas de se restringir as brincadeiras das crianças no quintal ou na praça porque os adultos não podem supervisioná-las. Os pequenos hoje passam muito mais horas dentro de casa do que no passado, o que explica em parte o aumento da obesidade e da diabetes tipo 2 na infância. Muitas escolas primárias cancelaram os recreios por acreditar que é um tempo perdido que seria melhor gasto enchendo a cabeça dos jovens alunos com fatos e números.
- A infância deveria ser um período de liberdade e brincadeiras, não de construir um currículo para a faculdade - avisa Gray.
Como diz Lenore: "Se os pais realmente acreditam que os filhos precisam ser supervisionados todos os segundos do dia, então eles não podem ir andando para a escola, brincar no parque, acordar no sábado cedo, pegar suas bicicletas e viver uma aventura".
Cerca de duas mil famílias foram examinadas pelo Canal Discovery Life para achar 13 paralisadas pela ansiedade, mas querendo uma intervenção. Lenore diz: "Os pais não foram fáceis, no começo, alguns não ficaram muito felizes de me ver. Mas assim que o orgulho de ver o que seus filhos conseguem fazer tomou o lugar do medo, eles ficaram extasiados, relaxados e felizes".
Lenore passou quatro dias com cada família, introduzindo um desafio diferente a cada dia. Sam aprendeu a cortar queijo e fatiar tomates com uma faca afiada e depois fez sanduíches para seus pais. Ele também aprendeu a andar de bicicleta.
"Não garanto que vou levar embora todas as preocupações deles, só vou lhes dar a confiança para soltar as rédeas de seus filhos. Crianças precisam de raízes e asas. Os pais lhes dão as raízes, eu dou as asas", ressalta Lenore.