Quando alguém reivindica a responsabilidade por te fazer gostar de um esporte é porque entendeu a importância disso na tua vida
Dona Marly, mãe de oito filhos - sete homens e esta colunista -, achou que minha missão no mundo ia além de enganar a estatística que se repetiu sete vezes. "Tu vês... e eu que achei que quando nascesse uma menina, ela seria minha companheirinha", dizia toda vez que eu insistia em acompanhar meu pai à Redenção ou ao Parque Marinha, para vê-lo jogar futebol.
De roupa igual à dele - exigência da piá de três, quatro anos -, dava meia volta em passinhos curtos de criança pela pista do Ramiro Souto.
Entre aquele brincar de correr e eu ter adotado de vez a corrida, há uns oito anos, passei por escolinhas de esporte e times de vôlei no Ensino Médio. Alguns deles, passatempos que minha mãe arranjava para mim fora do horário de aula. Mas minha mania por esportes nunca me pareceu algo que a empolgasse muito, ainda que tenha sido ela a me levar e matricular nessas escolinhas.
A crença se reforçava até pouco tempo atrás, toda vez que eu chegava da rua, depois de um treino de corrida. Volta e meia, seguidas de cara de reprovação, as observações: "Pra que correr ao meio-dia?". "Vai correr à noite? Eu não gosto, é perigoso". "Não entendo como pode gostar de suar. Eu odeio suar".
Cresci achando que minha mania de ser metida a atleta era uma herança do meu pai. Era o natural a se concluir. Até porque, quando dona Marly conta que me acha bonita, mas diz que pareço com minha avó, ou ressalta que sou cheia de disposição, o que a faz lembrar do jeito de uma tia, sempre me dá a impressão de que terceiriza essas "patentes".
Pois foi com surpresa que eu ouvi dela a reivindicação da marca registrada que eu já tinha atribuído a outra pessoa: "Tempo desses eu lembrei que, quando era nova, gostava muito de correr assim, bem livre... e fiquei pensando: acho que tu puxou mesmo foi a mim".
Os pais bradam mais as qualidades do que os defeitos que fazem chegar até a gente, claro. Quando ela fez questão de frisar que a vontade de correr que existe em mim poderia ser "culpa" materna, entendi o recado: ela já sabe que a corrida é infinitamente mais do que suor ou uma imprudência ao sol do meio-dia.