
Desde que os exames indicaram que Tamar Modiano tinha um gene defeituoso causador do câncer de mama, ela encarou um temor que afligiria qualquer mãe: poderia ter passado os genes para as duas filhas.
Ela precisou remover ambos os seios aos 47 anos de idade para evitar a doença, e disse que o dia que descobriu que a filha mais velha não o tinha foi o mais feliz de sua vida.
Agora ela quer a filha mais nova, Hadas, de 24 anos, faça o teste para poder ter filhos logo, caso o resultado seja positivo e, em seguida, também se submeter a uma dupla mastectomia. A irmã mais velha de Hadas, Suzi Gattegno, de 29 anos, discorda.
- Você quer impedir que ela viva a vida dela e quer que se case cedo - afirmou para a mãe.
- Se ela é portadora, ela deve se casar logo - respondeu a mãe.
- Ela nem tem namorado. Você tem que parar de pressioná-la - afirmou a filha.
- Eu quero protegê-la! - afirmou Modiano.
Esses debates familiares estão ocorrendo em muitas famílias de Israel nos dias de hoje. O país possui uma das maiores concentrações de câncer de mama do mundo, de acordo com um relatório da Organização Mundial da Saúde. E alguns dos maiores cientistas do país defendem que as mulheres sejam examinadas para detectar a presença de mutações genéticas causadores de câncer comuns entre os judeus - testes que já obrigam a população mais jovem a tomar decisões difíceis sobre o que querem saber, quando querem saber e o que fazer com a informação.
Os genes judeus do câncer de mama preocupam as mulheres do país há anos. Mas depois que a atriz Angelina Jolie revelou que havia sido submetida a uma dupla mastectomia ao ser diagnosticada com a mutação, a cobertura da mídia no país cresceu drasticamente, com programas de rádio e TV relatando mulheres israelenses diante de dilemas similares.

Judeus asquenazes são o grupo de maior risco
Asquenazes, oriundos da Europa central e do leste, compõem metade da população de judeus em Israel e a maioria deles nos Estados Unidos. De acordo com o o Instituto Nacional do Câncer, eles têm muito mais chances de portar as mutações que aumentam o risco de câncer de mama e ovário.
Diversos geneticistas e oncologistas influentes afirmam que o Ministério da Saúde israelense deve pagar pelos testes genéticos voluntários de todas as mulheres asquenazes com mais de 25 anos. Cerca de um milhão de mulheres estariam cobertas a um custo de menos de 100 dólares por exame. Judias de origem iraquiana, cujas famílias frequentemente carregam a mutação perigosa, também poderiam ser examinadas.
O objetivo da proposta seria o de identificar as cerca de 30 mil israelenses que possuem a mutação. Até o momento, apenas com testes esporádicos, 6 mil dessas mulheres já foram identificadas, muitas delas somente após um diagnóstico de câncer, afirmou o Ephrat Levy-Lahad, coordenador do Consórcio de Genética de Israel.
- Essa é nossa população alvo. Se pudermos encontrá-las, poderemos salvar suas vidas - afirmou Oded Olsha, cirurgião de mamas do Centro Médico Shaare Zedek, em Jerusalém.
Mulheres que apresentaram resultados positivos para mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, que suprimem os tumores, seriam encorajadas a terem filhos e amamentá-los antes dos 40 anos, para que tenham os ovários removidos aos 40. Mastectomias preventivas também seriam oferecidas.
Exame gera polêmica em Israel
A ideia profundamente controversa de fazer um exame em uma parcela tão grande da população gerou um debate em Israel entre os defensores dos direitos das mulheres, cientistas e médicos. Os críticos afirmam que isso pode causar um estigma social e uma grande leva de operações desnecessárias, além de afetar diversas mulheres com informações que não querem ter ou com as quais não saibam como lidar.
A escolha não é simples. Remover as mamas e os ovários reduz drasticamente o risco de câncer, mas as mastectomias desfiguram as mulheres que frequentemente desenvolvem cicatrizes ou dormência após a cirurgia de reconstituição das mamas. A perda dos ovários deixa a mulher instantaneamente na menopausa, levando a ondas de calor, redução da libido e ao aumento do risco de doenças cardíacas e de osteoporose.
Porém, a demanda por testes genéticos já é bastante alta no país - existem filas de espera de mais de um ano - e o seguro-saúde nacional geralmente cobre desde que o exame seja indicado pelo médico ou por um conselheiro genético.
Enquanto alguns países pobres enfrentam dificuldades até mesmo para fornecer tratamento adequado a mulheres com câncer, sociedades mais ricas, como Israel e os EUA, usam cada vez mais tecnologias sofisticadas para identificar as pessoas que correm maior risco, em uma inciativa para combater a doença antes mesmo que ela comece. Diversas organizações judaico-americanas realizaram recentemente uma campanha para conscientizar sobre a suscetibilidade genética ao câncer de mama e ovário entre as judias asquenazes.
As discussões em torno da doença aqui em Israel são mais étnicas do que econômicas. Apenas as judias asquenazes passarão pelos testes? Embora elas tenham muito mais chances de exibir uma das mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, Israel é um caldeirão de cidadãos árabes e judeus do mundo todo e apenas metade dos seis milhões de judeus do país tem ascendência asquenaze.
Segundo a proposta feita por alguns geneticistas israelenses, é provável que os árabes israelenses e os judeus de ascendência sefardita - cujas famílias vieram do norte da África e do Oriente Médio - não sejam incluídos nos exames para averiguar a presença de mutações nos genes BRCA, algo que causa desconforto em um país onde já existem diferenças étnicas entre os judeus sefarditas e asquenazes.
As famílias de origem iraquiana, como a de Modiano, podem estar cobertas em função dos riscos. Ela sempre soube que havia câncer na família do pai. Três de suas irmãs morreram em decorrência do câncer de mama quando eram jovens.
No entanto, ela só foi testada três anos depois de descobrir que suas parentes estavam sendo examinadas. O resultado a deixou chocada.
- Eu pensei no que aquilo significava para mim e, logo em seguida, me perguntei sobre minhas filhas. Eu fiquei paralisada e ainda estou assim - afirmou Modiano recentemente, estremecendo ligeiramente.
Não faltam questionamentos de ordem ética e prática. Os homens - que têm a mesma chance de passar as mutações para os filhos e que correm cada vez mais riscos de ter câncer - também devem ser testados? Judeus ultraortodoxos também participarão dos exames, mesmo sabendo que um resultado positivo poderia diminuir a chance de que sua família arranjasse um bom casamento?
Muito embora os testes sejam voluntários, as mulheres poderiam se sentir pressionadas a participar, afirmou Barbara A. Koenig, professora de antropologia médica e bioética na Universidade da Califórnia, em São Francisco.
- Quando você cria um exame coletivo, você decide pelo coletivo que essa é a escolha certa.