
Seja no setor público, seja no setor privado, o alto índice de cesáreas feitas no Brasil foi classificado como "alarmante". É a conclusão do estudo "Nascer no Brasil", um panorama nacional sobre partos e nascimentos conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o Ministério da Saúde.
Leia mais
Partos humanizados ganham incentivo do SUS
Conforme a pesquisa, que coletou de dados entre fevereiro de 2011 e em outubro de 2012, 52% das mulheres tiveram seus filhos por meio de cesarianas. Ao analisar apenas o setor privado, diz o trabalho, "a situação é ainda mais alarmante", já que chega a 88%, sem que haja "justificativas clínicas para um percentual tão elevado dessas cirurgias". A estimativa é de que no país quase um milhão de mulheres todos os anos sejam submetidas a este tipo de parto sem indicação adequada.
Mesmo entre adolescentes, que representam 19% das mulheres ouvidas no estudo, o número é grande: 42% delas fizeram cesárea. O perfil das adolescentes entrevistadas é bastante desfavorável em relação às adultas. Mais de dois terços delas estavam fora da escola ou atrasadas em relação ao ano escolar que deveriam cursar, pertenciam a classes sociais D e E, além de apresentarem desvantagens no acesso ao pré-natal e ao número de consultas realizadas. Essa desigualdade se refletiu também na fonte de pagamento do parto, já que apenas 4,5% delas deram à luz em estabelecimento privado.
Desejo inicial por parto no normal
O trabalho aponta que a prática cesárea expõe o bebê a riscos de morbidade e mortalidade e aumenta desnecessariamente os recursos gastos com saúde. O "Nascer no Brasil" cita ainda estudos recentes que mostram as consequências e repercussões da via de nascimento no curso natural do desenvolvimento intrauterino dos recém-nascidos e sobre a saúde futura das crianças, incluindo o risco aumentado de obesidade, diabetes, asma, alergias e outras doenças não transmissíveis.
No início da gravidez, quase 70% das brasileiras deseja um parto normal. Mas no setor privado, o número foi de apenas 15% para as que estavam na primeira gravidez. Entre as gestantes que tiveram parto normal, há predominância de intervenções médicas e uso de medicamentos, algo que "ignora as melhores evidências científicas disponíveis". Entre as práticas citadas estão a restrição ao leito e a falta de estímulo para caminhar, falta de alimentação durante o trabalho de parto, uso de medicamentos para acelerar as contrações (ocitocina), episiotomia (corte entre a vagina e o ânus) e/ou dar à luz deitada de costas. São procedimentos que, quando utilizados sem indicação clínica, não são recomendados pela Organização Mundial de Saúde como de rotina.
Apenas 5% das mulheres brasileiras não se submeteram a alguma das intervenções acima - no Reino Unido, por exemplo, o número chega a 40%. A conclusão é que "a medicalização do parto é uma prática disseminada por todo o país".
Como conclusão geral, a pesquisa diz que "as mulheres brasileiras e seus bebês de qualquer classe social estão sendo desnecessariamente expostos ao risco de efeitos adversos no parto e nascimento". Entre as mulheres mais ricas, há um maior número de intervenções obstétricas, em especial a operação cesariana. Já entre as mais pobres, atendidas no setor público, os partos são "extremamente medicalizados, dolorosos e demonstram menor satisfação com a atenção recebida".
A Nascer no Brasil entrevistou 23.894 mil mulheres. A pesquisa foi realizada em maternidades públicas, privadas e mistas, e incluiu 266 hospitais de médio e grande porte, localizados em 191 municípios, contemplando capitais e cidades do interior de todos os Estados do Brasil.