
A dor pode ser dilacerante, ainda que não haja feridas abertas pelo corpo. O chá da avó e o colo do melhor amigo podem até amenizá-la - mas a cura, no ápice da aflição, parece que nunca vai chegar. Médicos e psicólogos confirmam o que você, que já sofreu do mal de amor (e quem nunca?), tentou argumentar para quem dizia que o desespero era coisa da sua cabeça: o cérebro processa a dor de um coração partido da mesma forma que uma dor física. E não há consenso sobre a receita ideal para fazê-lo passar.
Sofrer por amor é um dos sentimentos mais primitivos da natureza humana. Ao contrário de outros animais, a concepção de existência do ser humano está estritamente ligada a ser cuidado, a nunca estar desamparado.
— O enamoramento é uma situação em que isso vem com força. Quando nos envolvemos afetivamente, damos o que temos de melhor. Por isso, quando esse sentimento precioso é desprezado, dói. A pessoa vai precisar de tempo para elaborar essa perda, equivalente a um luto — explica Carlos Kessler, professor de psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Se um amigo vier encorajá-lo a desabafar sobre seus infortúnios, pense duas vezes: para o psicólogo americano Walter Mischel, da Universidade de Stanford, na Califórnia, falar sobre um relacionamento fracassado não alivia a sensação ruim. Pelo contrário: pode fazer as pessoas se sentirem piores. O ideal, avalia ele, é se distanciar o máximo possível de quem lhe causou dor e — acredite — tomar duas aspirinas.
— Há uma base sólida de pesquisas para recomendar um analgésico. O autodistanciamento também é importante, pois propicia uma visão mais objetiva da realidade. A cada vez que a pessoa conta a experiência, seja para quem for, ela fica mais deprimida — afirma o pesquisador.
Distância em boas doses
O conselho "o tempo é o melhor remédio" não encontra respaldo na ciência.
É mesmo a distância que ajuda a superar o término de uma relação, segundo o especialista em neurologia comportamental Antoine Bechara, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. O cérebro, órgão que tem muito mais participação no comando das emoções do que o coração, é o responsável por ativar a combinação "frio na barriga + taquicardia" quando você vê o ex-amor. Por outro lado, sua razão trabalha para que você dê a volta por cima. Nesse mix de sentimentos, quem ganha a luta?
— Se as memórias ruins forem mais fortes, será mais fácil chegar ao seu objetivo de seguir em frente — diz Bechara.
Por isso, sugere ele, evite ir àquela praça onde trocaram o primeiro beijo ou à igreja onde foi celebrado o casamento. Foco no dia em que seu aniversário foi esquecido ou naquela briga em que ele(a) lhe magoou. Durante o relacionamento, os piores momentos são relevados em nome do amor, em um conceito chamado de cegueira emocional.
— O termo explica atitudes que são julgadas como ruins por quem está de fora, mas não são perceptíveis pela pessoa envolvida — aponta a psicanalista Tatiana Ades, pós-graduada em neuropsicologia e autora do livro Homens que Amam Demais, que aborda o amor patológico, o ciúme e a possessividade em relacionamentos abusivos.
Sem cicatriz
Autora do livro Por que Amamos, a antropóloga americana Helen Fisher, da Universidade de Rutgers, em New Jersey, pesquisa os mecanismos neurológicos relacionados ao fim de um amor. Um coração partido desencadeia uma hiperatividade em um grupo de neurônios relacionados à ligação afetiva. Quando a falta da pessoa amada não é mais tão dolorosa, esses neurônios voltam ao normal e a tristeza se esvai.
Vai demorar muito?
Não há uma regra, mas a dor tende a durar menos do que esperam os aflitos do mal de amor. Pesquisadores da Universidade Northwestern, em Chicago, acompanharam a vida amorosa de 70 universitários e descobriram que a recuperação pós-término levou cerca de 10 semanas, enquanto eles apostavam que a dor acalmaria em 20. Saíram no lucro.
Um mal para ser vivido
Quem leva o pé na bunda, comprova uma pesquisa da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, sofre mais com o fim do relacionamento, mesmo que já estivesse infeliz com seu par. O neurologista Antoine Bechara destaca que há uma tendência natural em ter mais desejo por aquilo que não podemos (mais) ter.
A neurocientista Lucy Brown, da Universidade Yeshiva, de Nova York, dá um exemplo: o sistema neurológico que faz com que nos apeguemos a alguém está no mesmo patamar da fome e da sede. Quando a sede se torna insuportável, o cérebro bloqueia tudo o que não é relacionado à hidratação para que você finalmente busque o seu copo d'água. O mesmo ocorre com o amor — ter sede de alguém pode não ser apenas uma metáfora, portanto.
Para desencanar dessa fissura, é preciso manter o cérebro ocupado. Iniciar um hobby, fazer novos amigos ou até mesmo começar um novo relacionamento podem ajudar. Assim, suas prioridades são rearranjadas, abrindo portas para que você se apaixone de novo.
— Não há razão neurológica para afirmar que é melhor superar uma relação sozinho e não com outra pessoa — afirma o americano.
É preciso cuidado, no entanto. Antes de partir para outra, é fundamental curtir a fossa. Quando o "luto" não é encarado, a tendência é de que a pessoa recaia, mais tarde, no mesmo tipo de relacionamento que não deu certo (às vezes, até com a mesma pessoa).
— Hoje em dia, está fora de moda se deprimir, se sentir mal e se entristecer. Mas há um lado interessante nisso, que é o de poder elaborar internamente o que se passou. A pessoa que tem um coração partido deve enfrentar essa dor e não querer livrar-se dela o mais rápido possível — diz o psicólogo Carlos Kessler, da UFRGS.
É claro que deve haver atenção para o caso de a fossa virar algo patológico, que resulte em depressão profunda ou obsessão (nesses casos, psiquiatras podem até receitar medicamentos mais fortes). A psicanalista Tatiana Ades sugere, inclusive, que nesse período as redes sociais sejam esquecidas, sob pena de aumentar a dor e causar paranoia. Afora isso, afirma Kessler, o tempo do "luto" amadurece o ser humano:
— A euforia forçada não adianta. A pessoa pode aparentar estar bem, mas no fundo não está. Se ela se recolher um pouco, vai poder refletir sobre si.