Esther Sternberg é internacionalmente reconhecida por descobertas que comprovam a ligação do cérebro ao sistema imunológico. A americana tornou-se porta-voz do tema e já foi painelista em convenções das Nações Unidas sobre saúde. Autora dos livros The Balance Within – The Science Connecting Health and Emotions (em tradução livre, O Equilíbrio Interno – A Ciência Conectando Saúde e Emoções) e Healing Spaces – The Science of Place and Well-being (Espaços de Cura – A Ciência por trás dos Ambientes e do Bem-estar), Esther é professora e diretora de pesquisa no centro de medicina integrativa da Universidade do Arizona. Durante anos de estudos, que começaram ainda na década de 1970, passou a instigar áreas convencionalmente desconectadas da medicina, como a arquitetura e o design, para transformar ambientes que possam auxiliar na manutenção do bem-estar emocional. Em entrevista a ZH, ela explica a origem dos seus estudos e propõe pensarmos em um novo conceito de hospitais, locais de trabalho e cura.
Por muito tempo, a ligação entre o corpo e a mente era considerada um tabu na área médica. Como isso évisto hoje?
Atualmente, é tido como certo e amplamente aceito – tanto pelo público quanto pela comunidade médica – que o cérebro e o sistema imunológico se comunicam, e que desequilíbrios nessa comunicação estão associados a diversas doenças. Nos anos 1980 e 1990, os médicos rejeitavam e denegriam essa ideia. Até a metade do século 20, não era possível ver as anormalidades causadas pela emoção ou associar as patologias que se desenvolviam em pacientes com doenças como depressão, esquizofrenia ou transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva. Com o avanço da bioquímica, da biologia molecular e da neuroanatomia, conseguimos descobrir como o cérebro funciona e entender como o sistema imunológico trabalha.
O que motivou você a começar as pesquisas nesta área?
Comecei como reumatologista, especialista em artrite, e não acreditava que houvesse qualquer conexão entre o cérebro e o sistema imunológico. No meu ano final de residência médica, na Universidade de McGill, em Montreal, no Canadá, fui chamada para examinar um paciente que havia desenvolvido uma doença autoimune, que tinha como característica a formação de cicatrizes. Ele tinha uma forma muito rara de epilepsia e usava um medicamento experimental que causava alterações na serotonina cerebral (hormônio do bem-estar que auxilia na regulação do humor). A epilepsia foi controlada, mas ele acabou desenvolvendo a doença autoimune. Os neurologistas que me chamaram para ver o paciente perguntaram se o remédio tinha alguma ligação com aquela doença. Naquele momento, fui convencida de que havia uma ligação entre o cérebro e o sistema imunológico. Assim, passei a dedicar o resto da minha carreira tentando entender como essa conexão funciona e como uma disfunção nessa ligação pode causar doenças. Quando eu cheguei aos Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla americana), em 1986, comecei a fazer pesquisas em ratos e, alguns anos depois, constatei que uma importante razão para que os animais ficassem mais suscetíveis a doenças inflamatórias não estava diretamente no sistema imunológico, mas na parte do cérebro que controla a reação ao estresse. Entendendo isso, é possível enxergar como o estresse pode causar doenças, e ao mesmo tempo, como praticar meditação, ioga, reza ou exercícios pode auxiliar na modulação dessa conexão e prevenir ou reduzir a severidade de doenças que são causadas pela atividade excessiva da reação do cérebro ao estresse.
Essas descobertas vão mudar o modo como pacientes são tratados?
Na medicina ocidental, quando não se tem o entendimento de como algo funciona, a sua validade é desacreditada. Isso é o contrário do que diz a sabedoria popular, de que o estresse pode nos deixar doentes e que acreditar e ter fé pode ajudar na cura. É um jeito muito diferente de pensar doenças e saúde. Agora que entendemos como as coisas funcionam, nós, os médicos, temos a capacidade de aplicar esse conhecimento para regular as emoções para prevenção e cura de doenças.
A maioria das pessoas se considera sob constante estresse. O ambiente, as relações pessoais, o que influencia nisso?
Há muitos fatores que influenciam as emoções e que estão além do que acontece dentro do cérebro. Isso inclui o ambiente, as relações pessoais, o que você ouve, cheira, sente ou toca. Tudo isso pode desencadear emoções que podem ser prejudiciais e atrapalhar um processo de cura. Se sabemos que os ambientes físicos podem nos estressar, não faz sentido colocar uma pessoa que já está doente em um lugar como um hospital, que gera mais estresse. No século 20, os hospitais foram estruturados para abrigar os instrumentos usados para diagnosticar e tratar as doenças, não foram feitos para deixar as pessoas mais confortáveis. Há muita evidência de que você pode projetar um hospital ou qualquer prédio para inspirar emoções positivas. Exposição à luz solar, por exemplo, é quase tão efetiva quanto os antidepressivos para tratar pessoas com transtorno afetivo sazonal, a chamada depressão do inverno, ou mesmo outros tipos de depressão. A exposição ao ritmo circadiano também é importante para manter uma boa saúde. Falta de exposição à luz solar ou uma troca constante de fusos não só tornam o corpo mais vulnerável a doenças, mas também aumentam o risco de câncer. Se você não está exposto ao ciclo natural da luz do dia, não pode caminhar ou se exercitar. Se há muito barulho e falta de contato ou mesmo visão da natureza, sua saúde é afetada.
*Zero Hora