
Todo ano, há pelo menos uma década, a americana Jessica Irish, 31 anos, assumia a mesma resolução de Ano Novo: deixar de beliscar à noite e perder pelo menos 13 quilos. E, como milhões de pessoas no mundo, ela conseguia manter a promessa durante duas semanas. Neste ano, a coisa foi diferente.
– Já perdi oito quilos e é a primeira vez que consigo manter o regime por tanto tempo. O mais incrível é que quase nunca mais penso em beliscar à noite – conta.
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Para Jessica, o dispositivo chamado Pavlok conseguiu o que anos de dietas, programas de perda de peso, academias e a própria força de vontade não fizeram: toda vez que põe na boca um dos alimentos que quer evitar, como chocolate ou salgadinho, usa o aparelho para se infligir um choque elétrico ultrarrápido:
– Sempre que dava uma mordida, tomava um choque. Na primeira noite, foram cinco. Na segunda, duas, e na terceira, já nem tinha vontade de comer.
Como o nome sugere, o Pavlok, que custa cerca de US$ 200 (R$ 640), é usado no pulso e se baseia na teoria clássica do condicionamento pavloviano para criar uma associação negativa com uma ação específica. Na próxima vez em que a pessoa fumar, roer as unhas ou comer junk food, um toque no dispositivo ou no aplicativo do smartphone lhe dará um choque. Dura uma fração de segundo, e a intensidade depende do freguês. Pode ser programada entre 50 volts, equivalente a uma vibração forte, e 450 volts, cuja sensação se compara à picada de uma abelha com o ferrão do tamanho de um picador de gelo.
Outros dispositivos e aplicativos também incentivam a mudança comportamental por meio da terapia da aversão – como o MotivAider, usado como pager, ou o RE-vibe wristband. Ambos podem ser programados para vibrar a intervalos específicos como lembretes de um hábito a mudar ou objetivo a alcançar. O Lumo Lift é um disco usável que corrige a postura e vibra quando você se curva demais. O Spire, de US$ 150, é um sensor com cara de clipe que acompanha a atividade física e o estado mental do usuário analisando seu padrão respiratório.
Se a pessoa estiver estressada ou ansiosa, ele vibra e envia uma notificação ao seu smartphone, avisando que deve respirar fundo. O Pavlok, porém, leva a coisa um pouco mais longe, dando um recado muito mais convincente. Na potência baixa, a sensação é de formigamento forte. Na alta, dói. Muito.
Vale saber que o criador do Pavlok, Maneesh Sethi, uma vez, para melhorar a produtividade, contratou uma mulher para sentar ao seu lado e lhe dar um tapa na cara toda vez que o visse usando o Facebook.
– A intenção não é machucar, mas, sim, criar uma sensação instantânea de surpresa, um choque para tirar a pessoa do automático – reforça.
Mas será que esse tipo de terapia autoimposta de aversão funciona mesmo?
– O detalhe mais inteligente desse aparelho é o nome. É uma variação bem mais cara do elástico usado no pulso que você puxa para interromper um padrão de comportamento – explica Peter Whybrow, escritor, psiquiatra e neurocientista de Los Angeles.
Segundo Marc Potenza, professor de psiquiatria da Universidade de Yale, os pesquisadores questionam a natureza ética da intervenção de choque quando há opções mais confortáveis, como as terapias cognitivas comportamentais, intervenções farmacêuticas e os programas de 12 passos. A prática da terapia de aversão existe há 80 anos. O Hospital Schick Shadel, de Seattle, nos EUA, informa que tratou, com sucesso, mais de 65 mil pessoas que sofriam de dependência alcoólica e química usando métodos de contracondicionamento como remédios eméticos – que fazem a pessoa vomitar/sentir náuseas ao consumir bebida alcoólica – e terapia de choque supervisionada.
O diretor médico da instituição, Kalyan Dandala, se disse interessado em utilizar o Pavlok para ajudar os pacientes a continuar a recuperação depois do período de internação de 10 dias, mas disse que o uso deve ser supervisionado por profissionais.
– É mais adequado como ferramenta para modificação de comportamento. A empresa precisa aperfeiçoá-lo, esclarecer melhor seu funcionamento e exigir um acompanhamento mais consistente – afirma Dandala.
Sethi, o inventor, informa que a empresa está começando a coletar dados sobre o sucesso do aparelho em longo prazo e pretende fazer uma triagem clínica ainda neste semestre. O Pavlok está disponível para venda desde novembro e, segundo consta, 10 mil pessoas já usaram. Apesar do potencial para causar dor e a falta de dados científicos para embasar os efeitos mais duradouros, pelo que se vê nos grupos do Facebook e fóruns, os usuários se mostram entusiasmados, principalmente quando é a última tentativa de sanar problemas como comer e beber em excesso.
* The New York Times