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O Brasil está ficando cada vez mais grisalho – e em uma velocidade que supera a média internacional. Enquanto a população com 60 anos ou mais deve duplicar no mundo até 2050, o país tende a ver o número de idosos quase triplicar nesse período. A estimativa é da Organização Mundial de Saúde (OMS), que classifica o envelhecimento populacional como uma das tendências mais significativas do século 21.
Conforme o órgão, a população global acima de 60 anos deve subir de cerca de 900 milhões (12,3%) em 2015 para 2,1 bilhões (21,5%) em 2050, quando o número de idosos será o mesmo que o de pessoas com até 15 anos. No mesmo período, a população acima de 60 anos do Brasil deve passar de 23 milhões (12,5%) para 63 milhões (30%), resultado da combinação entre o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de natalidade.
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Mas viver mais não significa viver bem. Pesquisa divulgada neste ano pela Fundação Oswaldo Cruz, por exemplo, mostra que um em cada três idosos brasileiros tem alguma limitação funcional. Desse grupo, 80% contam com ajuda de familiares para realizar alguma atividade da rotina, como vestir-se ou fazer compras.
Além de prevenir e tratar as limitações funcionais ou adaptar os ambientes para que os idosos vivam melhor, o dado alerta para a necessidade de criação de alternativas para o cuidado com essa população, que levem em conta suas condições de saúde, familiares e econômicas. Inovações que são ainda mais urgentes no Rio Grande do Sul, Estado com maior percentual de idosos do país: 15,65%. Conheça alguns serviços que estão mudando a forma de cuidar desse público.
Em caso de emergência, aperte o botão
Comum na Europa, uma das tendências no cuidado com os idosos no Brasil tem sido a teleassistência, tecnologia que funciona graças à conexão de um botão de emergência, um aparelho de comunicação e uma central de atendimento. Quando o idoso aperta o botão, um integrante da central, que funciona 24 horas, entra em contato com ele por meio do aparelho.
A teleassistência tem sido oferecida por cada vez mais empresas no país, que vendem diferentes planos e equipamentos de monitoramento. Em Porto Alegre, a empresária Marli Ellwanger decidiu investir na criação de um serviço do tipo em 2012 (irissenior.com.br).
– Perguntamos ao idoso se precisa de ajuda e, quando necessário, acionamos o socorro. Caso ele não responda, entra em ação o plano escolhido pelos familiares, que pode ser contatá-los, chamar uma ambulância ou até arrombar a porta – explica Marli.
Isso possibilita que as pessoas com mais de 60 anos peçam ajuda mesmo quando não têm condições de falar. Os botões são entregues aos idosos em dois modelos de acessórios: uma pulseira ou um colar. Já o aparelho de comunicação, uma espécie de modem com um alto falante, é instalado na linha telefônica fixa da residência. É por meio dele que o idoso escuta a central de atendimento, sem precisar se deslocar para atender um telefone, por exemplo.
– Também temos um colar que, além do botão, tem um sensor de queda. O aparelho aciona a central de atendimento quando o idoso cair, sem a necessidade de apertar o botão. É o mais vendido – completa Daniel Kara, diretor-executivo da empresa.
Pelo alto-falante, o aparelho também pode avisar o idoso quando ele precisa tomar algum remédio, com mensagens gravadas.
Engenheiro agrônomo aposentado, Helcio Antonio Ribeiro Giraffa, 86 anos, celebra na pulseira com o botão de emergência sua privacidade. Por causa do serviço, o idoso afirma que os filhos não precisam contratar um cuidador para ficar 24 horas com ele.
– Sei que é um aparelho, não uma pessoa, mas, com isso, não me sinto sozinho – relata o aposentado, que usa o acessório há três anos.
Embora a pulseira seja à prova d'água, Helcio só a tira do pulso para tomar banho. Mas a deixa à vista, para que o botão seja facilmente acionado em caso de emergência. Conta que apertou algumas vezes dormindo, sem querer, mas precisou acionar ajuda médica em outubro deste ano:
– Não estava me sentindo bem, então pedi que chamassem a ambulância – conta.
O filho Marcelo Martins Giraffa, 56 anos, apoia a decisão do pai de aceitar a teleassistência.
– Como o pai mora sozinho, a gente sempre teve essa preocupação de, em uma emergência, ter o socorro imediato. Com essa tecnologia, a gente fica mais tranquilo – afirma o engenheiro civil.
Um lugar para interagir e aprender
Se manter a autonomia é importante para quem está na terceira idade, a socialização também não deve ser esquecida. Um negócio que tem se espalhado no país busca justamente isso. Chamadas popularmente de "creches", casas acolhem os idosos durante um ou dois turnos do dia, nos quais eles realizam diversas atividades. Algumas casas de repouso, onde as pessoas com mais de 60 anos ficam 24h, também prestam esse serviço, desenvolvendo oficinas para que os idosos passem parte do dia no local.
Em Porto Alegre, uma dessas casas foi criada neste ano pela policial civil aposentada Délcia Marisa Krutzmann, que também tem curso de cuidadora de idosos e uma empresa para recrutar e indicar profissionais com essa formação (facebook.com/CuidadoresParaIdosos). Por não gostar do termo "creche", a empresária prefere chamar o local de "casa de convivência".
– Percebi que havia uma lacuna entre o serviço das casas de repouso e dos cuidadores e criei um espaço para os idosos poderem se mexer, não ficarrem apenas olhando televisão – explica Délcia.
O espaço oferece atividades lúdicas em grupos, com objetivo de exercitar a convivência, a coordenação motora e a memória. Há oficinas de culinária, jogos pedagógicos, terapia ocupacional e espaço para confecção de artesanato, por exemplo. O local atende mais de 30 idosos por semana, todas mulheres. Três delas, que sofrem de Alzheimer, moram no local.
– Há idosos que vêm aqui todo dia, outros uma vez por semana. Alguns ficam só quando os filhos têm compromisso. Não temos horários fixos – completa a empresária.
Artista plástica aposentada e autora de livros de poesia, Nair Oliveira da Silva Gama, 88 anos, é uma das moradoras do local.
– Nunca gostei de ficar muito parada. Acho que a convivência com as pessoas é uma coisa muito importante, porque você adquire conhecimento. E o conhecimento te leva a uma abertura melhor para a vida, uma vida melhor.
A aposentada Thereza Garate Porciuncula, 82 anos, passa manhãs e tardes no espaço, mas volta para casa à noite. Diz que não é muito boa nas atividades de culinária, mas adora pintar, desenhar e fazer tricô.
– Gosto daqui porque é um lugar onde a gente está interagindo com as pessoas e fazendo trabalhos. A gente escolhe o que gosta mais e vai fazendo – relata a idosa, que era responsável pela contabilidade de uma clínica.
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Acompanhantes para consultas, passeios, festas e jogo de cartas
Inspirado nos profissionais que os hotéis disponibilizam para auxiliar os hóspedes em suas necessidades, outro serviço para idosos tem motivado investimentos no país: o de concierges para a terceira idade. São pessoas que acompanham os idosos nas mais diversas situações: ir às compras, jogar cartas, ler, cozinhar ou fazer artesanato, por exemplo. Os concierges também prestam assessoria ou consultoria jurídica e financeira.
Foi a partir de uma necessidade própria, a falta de tempo para levar a mãe idosa às constantes consultas médicas, que a empresária Karen Garcia de Farias criou um serviço que oferece concierges para os mais velhos em Porto Alegre (ohanaconciergerie.com.br). Embora a maior demanda seja justamente por pessoas que levem os idosos ao médico, ela e a sócia Gisele Varani também oferecem profissionais para acompanhar os vovôs em programações culturais ou de entretenimento.
– A ideia é oferecer acompanhantes para onde a família dele, ou ele, necessitar. Alguns idosos passam muito tempo sozinhos – afirma Karen.
Por isso, selecionaram concierges com formações diferenciadas, como enfermeiros, professores e artesãos, que possam exercer a atividade na condição de freelancers.
Para que seu pai, morador de um residencial para idosos, pudesse participar de uma festa de aniversário, o empresário Raphael Kalil Dabdab Neto, 44 anos, contratou um concierge. O acompanhante buscou o idoso na casa de repouso com um motorista, ficou com ele na festa e, depois, o levou de volta para a residência.
– O serviço atendeu nossa necessidade, que era levar meu pai à festa. Isso era uma lacuna de mercado, que agora trouxe conforto e dignidade para os idosos – afirma Neto.
O concierge foi o educador físico Lucas Andrei Witzel Rodrigues, 24 anos, que candidatou-se a uma vaga na empresa depois de conhecer o serviço pela internet. Depois de um curso de capacitação, foi chamado para o primeiro acompanhamento.
– A gente ficou na festa, conversou sobre os membros da família e, quando ele quis ir embora, eu o levei. Achei a experiência muito boa, porque nem sempre a família quer um enfermeiro ao lado do idoso – afirma.
Em busca da autonomia e da funcionalidade
Serviços com o objetivo de garantir ou resgatar a autonomia dos idosos podem ajudar a evitar a depressão, conforme a neuropsicóloga Neusa Chardosim, mestranda em Gerontologia Biomédica pela PUCRS. Segundo a OMS, a enfermidade, em estágio que precisa de intervenção, é encontrada em 10% das pessoas acima dos 60 anos. Em idosos que moram em casas geriátricas, o índice salta para 40%.
Ocasionada por doenças, menor capacidade de visão e audição, dificuldade para locomoção e diminuição de memória, a perda da autonomia é um dos aspectos que contribuem para que os idosos tenham baixa autoestima, conforme Neusa. Isso é intensificado, ainda, se o idoso é desrespeitado ou excluído. Esses fatores podem levar à introspecção, ao isolamento e, até, à depressão.
– O idoso não pode ser tratado como descartável, ele tem uma história e uma experiência que precisam ser respeitadas. A família precisa dar espaço, fazer com que ele continue ativo. Ele nunca pode se sentir excluído – explica a neuropsicóloga.
Geriatra diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) da PUCRS, Newton Luiz Terra reforça a importância da autonomia para o envelhecimento saudável:
– Todos nós queremos envelhecer com saúde, mas uma pessoa a partir dos 60 anos tem, em média, 7,2 doenças. Então, é muito difícil encontrar um idoso completamente saudável. A grande questão é envelhecer com autonomia e independência. É o sonho de todo mundo, envelhecer funcionalmente bem.
A questão da capacidade funcional citada por Terra é usada pela OMS para definir o conceito de envelhecimento saudável. No resumo do Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde, divulgado em 2015, o órgão diferencia a capacidade intrínseca, as capacidades físicas e mentais que um indivíduo possui, da capacidade funcional, a relação que esse indivíduo tem com os ambientes.
Idosos com dificuldade de locomoção, mas com transporte adaptado, têm capacidade para deslocarem-se, por exemplo. "A capacidade intrínseca é apenas um dos fatores que irão determinar o que uma pessoa mais velha pode fazer. O outro são os ambientes nos quais vivem e suas interações neles. Esses ambientes fornecem uma gama de recursos ou barreiras que decidirão se pessoas com um determinado nível de capacidade pode fazer as coisas que consideram importantes", afirma a OMS. Por isso, o órgão define o envelhecimento saudável como o desenvolvimento da capacidade funcional, que pode ser ampliada com novos serviços para os idosos.
– Serviços como grupos de convivência são excelentes, pois os idosos têm de se manter intelectualmente e socialmente ativos. Ser útil e ter alguma responsabilidade – completa Newton.