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Ele é tão comum que, há dois anos, ganhou um dia para si. Em 2015, a International Children's Continence Society (ICCS) e a European Society for Pediatric Urology (ESPU) criaram o "World Bedwetting Day" (Dia Mundial do Xixi na Cama, em tradução livre) para alertar pais e familiares sobre um distúrbio habitual da infância. Tecnicamente chamado de enurese noturna, o problema é caracterizado pela perda involuntária de urina durante o sono, com ao menos uma ocorrência por mês em crianças com mais de cinco anos.
Para explicar a questão, especialistas elencam alguns fatores importantes. Um deles é o genético.
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– Se um dos pais teve enurese, o risco de o filho ter fica em torno de 40% a 45%. Se os dois pais tiveram, o índice sobe para 75% a 80% – afirma José Murillo Bastos Netto, coordenador geral do Departamento de Uropediatria da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Outra causa frequente é a poliúra noturna, produção de urina em grande quantidade durante o sono. Esse problema pode ser ocasionado por uma redução no hormônio antidiurético, que controla a produção do líquido ao longo da noite. De nome complicado, outra disfunção que pode acarretar cama molhada pela manhã é a hiperatividade vesical noturna, problema associado à atividade da bexiga ao dormir.
Além disso, alterações no padrão de despertar – quando a criança tem dificuldade em acordar e não percebe a bexiga cheia – também podem ser a causa da enurese. Segundo a presidente do Departamento Científico de Medicina do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Lucila Bizari Fernandes do Prado, esse fator é apontado por boa parte dos especialistas como determinante para o problema.
Tratamento em três frentes
O vazamento de urina é tratado como anormal quando ocorre após os cinco anos. Netto relata que o problema afeta 15% das crianças nessa faixa etária. Com o passar do tempo, a proporção cai: aos 10 anos, 5% apresentam a enurese primária, enquanto aos 15 anos, a taxa despenca para 1%.
Já a enurese secundária – aquela em que a criança perde o controle da urina após seis meses seca – pode ser provocada por outros fatores, tanto de ordem física quanto psíquica, e pode se estender até a vida adulta. Mudanças de escola, problemas familiares ou a chegada de um irmãozinho podem ser o gatilho para os episódios.
O tratamento da enurese primária é feito em três frentes, de acordo com cada caso: comportamental, condicionamento e medicamentoso. O comportamental tem como objetivo mudar hábitos familiares, como consumo de muito líquido no período da noite. Também entram nesse rol o incentivo do xixi antes de deitar e a cada três horas ao longo do dia, evitar bebidas com cafeína ou cítricas, pois elas irritam a bexiga, e manter um diário de noites secas, no qual a criança anota pela manhã as noites em que não fez xixi.
Dependendo do caso, pode haver indicação para uso de medicamentos, como a desmopressina, que imita o hormônio antidiurético, reduzindo a produção noturna de urina. Embora eficiente, o método só funciona para quem sofre de poliúra.
Com bons resultados na literatura médica, o condicionamento é uma opção. Trata-se de um sensor de umidade colocado na roupa íntima ou no pijama dos pequenos. Toda vez que ele é molhado, aciona um alarme, condicionando a criança a acordar toda vez que faz xixi, até o momento em que ela se antecipa e consegue controlar a urina.
– Se acontecer no mesmo horário, é fácil de os pais detectarem e não deixarem a criança se molhar – diz Lucila.
Punição deve ser evitada
Tão comum quanto o próprio distúrbio é o pensamento de que ele reflete algum problema psicológico.
– Na maioria das vezes não é, mas a enurese pode levar a problemas psicológicos. Crianças com o distúrbio ficam com a autoestima baixa, mais retraídas e têm dificuldades de relacionamento – lista Netto.
Reflexo disso são as negativas de dormir na casa de amiguinhos ou na escola durante alguma atividade.
Independentemente das causas, o mais importante é saber lidar com a situação. Em hipótese alguma a criança deve ser punida ou ridicularizada por ter feito xixi na cama. Pelo contrário: ela precisa de apoio e tratamento adequado.
– Deve-se evitar deixar a criança molhada a noite toda ou expor o lençol molhado para os outros verem – sugere Lucila.
Dados de uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, mostram a realidade de alguns lares brasileiros: 100% das crianças com o problema sofriam punições ou bullying por parte de pais ou irmãos. Dessas, 40% eram agredidas fisicamente pelo ato involuntário.
– A criança não faz xixi na cama por vontade própria, ou para chamar a atenção. Punição só piora os resultados – destaca Netto.
Pequenas mudanças para uma grande diferença:
– Diminua a quantidade de líquido oferecida à criança de noite
– Evite comidas muito salgadas, pois elas dão mais sede
– Não ofereça bebidas com cafeína ou cítricas, que irritam a bexiga
– Incentive o hábito de fazer xixi a cada três horas ao longo do dia
– Leve a criança para urinar antes de dormir
– Mantenha um diário das noites secas, no qual a criança anota os dias sem xixi na cama
– Procure um especialista para descartar outros problemas como infecção urinária e até mesmo apneia do sono