
Não foi por acaso que a curadora Gabriela Linck usou o subtítulo O Outro Lado da Europa para a mostra Nouvelle Vague Tcheca, que, graças aos esforços da Coordenação de Cinema da prefeitura da Capital, incluiu Porto Alegre em seu roteiro por cidades brasileiras. Com 12 longas produzidos na velha Checoslováquia nos anos 1960, a mostra foi aberta na terça-feira e segue em cartaz até domingo na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro.
Quase a totalidade da produção checa da época, que constitui uma das mais ricas entre as "novas ondas" daquele período revolucionário da história do cinema, permaneceu obscura ao longo das décadas. Isso por conta da censura do governo local - e do grau de experimentação e transgressão, política e estética, de filmes como A Festa e os Convidados (de Jan Nemec, 1966) e O Cremador (Juraj Herz, 1968), entre outros.
Ambos integram a programação, assim como longas de Vera Chytilová (Fruto do Paraíso, 1969) e Milos Forman (Pedro, o Negro, 1963), os dois nomes mais conhecidos dessa produção - este último tendo sido cooptado posteriormente por Hollywood e vencido dois Oscar de melhor diretor por Um Estranho no Ninho, em 1976, e Amadeus, em 1985.
"O olhar crítico e estilizado lançado à sociedade dá a tônica deste cinema de contracultura", comenta a curadora, no texto de apresentação da mostra. A literatura existencialista, o surrealismo de Kafka e a nouvelle vague francesa, mais do que o neorrealismo italiano, são apontados por Gabriela Linck como influências para a constituição do movimento. Confira a lista completa de filmes, detalhes de cada produção e os horários de exibição no blog da P.F. Gastal.
O programador indica
O Segundo Caderno de ZH convidou o crítico de cinema Leonardo Bomfim, programador da Sala P.F. Gastal e um dos responsáveis por trazer a mostra Nouvelle Vague Tcheca a Porto Alegre, para escolher e comentar cinco de seus títulos imperdíveis. Confira:
As Pequenas Margaridas
"À época, este filme foi definido por Milan Kundera como uma parábola sobre o vandalismo feminino. Cultuada no mundo inteiro, esta colagem pop-dadaísta é impactante e provocativa até hoje." Direção de Vera Chytilová, 1965.
O Cremador
"O colaboracionismo, tema forte do cinema europeu do pós-Guerra, ecoou nos anos 1960. Do Livro Tibetano dos Mortos ao Mein Kampf: Juraj Herz nos coloca num grande fluxo de consciência de um homem checo obcecado com a morte, que é convencido por um amigo austríaco a aceitar seu sangue alemão." Direção de Juraj Herz, 1968.
Marketa Lazarová
"É considerado o grande filme checo de todos os tempos. A plasticidade das imagens impressiona, dando ao longa de quase três horas de duração peso épico e semblante moderno. É uma adaptação do livro homônimo de Vladislav Vancura, ícone do surrealismo checo dos anos 1920 e 30." Direção de Frantisek Vlácil, 1967.
A Festa e os Convidados
"O filme maldito da nouvelle vague checa. 'Banido para sempre' pelo presidente Antonin Novotny, acabou liberado, em 1968, para o Festival de Cannes - que não foi realizado devido aos tumultos de maio na França. Em 1969, foi proibido de novo, dessa vez por 20 anos. Os motivos? Com a referência ao absurdo de Ionesco, a trama ilustra o modo como o homem aceita passivamente a opressão." Direção de Jan Nemec, 1966.
Valerie e sua Semana de Deslumbramentos
"Os dias de encanto e horror de uma garota após a primeira menstruação, no canto dos cisnes da nouvelle vague checa, abatida em pleno voo com a invasão soviética de 1968. O diretor aproveita o romance erótico-surrealista de Vitezlav Nezval e cria uma fábula inspirada no folclore local, com seus bosques característicos recebendo um carnaval de figuras estranhas e sedutoras." Direção de Jaromil Jires, 1970.