
Cinco de dezembro de 1974. Nesta data, parece ter ficado congelada em uma inércia física e existencial a figura do pai de um rapaz desaparecido por ação da ditadura militar no Brasil. Esse homem alquebrado desde aquele dia em que o filho não voltou para casa após ir estudar em Moscou (vivido pelo cineasta Carlos Reichenbach, que morreu em 2012) é a figura central do filme Avanti Popolo.
Seu torpor é despertado pela companhia do filho caçula, André (André Gatti), de volta ao lar paterno após separar-se da mulher. A relação entre eles é fria, distante. André tenta despertar as memórias do velho projetando antigos filmes familiares em Super-8 feitos pelo irmão ausente. A casa decrépita e tomada pelo mofo onde André reencontra o pai, na periferia de São Paulo, é como um personagem a reforçar o estado de espírito de seu morador.
Em cartaz a partir desta quinta-feira hoje no CineBancários (General Câmara, 424, no Centro), com sessões às 15h, 17h e 19h, Avanti Popolo (2012) é a premiada estreia em longa-metragem de Michael Wahrmann, uruguaio radicado em São Paulo desde 2004, após duas décadas vivendo em Israel. E é notável o poder de síntese que o diretor imprime nos enxutos 72 minutos de duração do longa.
Título de um hino comunista do começo do século 20, Avanti Popolo é, ao mesmo tempo, um filme-ensaio sobre a memória que sobrevive aos grandes traumas individuais e coletivos, um inflamado manifesto político e uma apaixonada carta de intenções sobre o ato de fazer cinema autoral no Brasil no peito e na raça.
Com trânsito nas artes visuais, Wahrmann faz do trabalho com atores não profissionais e da cenografia pontos de destaque em Avanti Popolo, que, entre os prêmios conquistados, levou os de melhor direção e o troféu da crítica no Festival de Brasília de 2013.
Pontuando a narrativa, os registros em Super-8 resultam em imagens oníricas de um passado que se esforça para resistir ao esquecimento. Em vão: "Eu não vejo mais nada, está tudo cinza", diz o pai aprisionado em suas próprias lembranças.