
Um dos mais radicais provocadores do cinema nacional, Sérgio Bianchi está em cartaz no CineBancários com um de seus filmes mais surpreendentes. Em Jogo das Decapitações, centra o foco em um conflito ideológico-geracional, narrando a história de um homem de 30 anos (Fernando Alves Pinto) que sobrevive com a ajuda da mãe (Clarisse Abujamra), ex-guerrilheira contra a ditadura militar, ao mesmo tempo em que desenvolve uma pesquisa acadêmica sobre a luta armada no país. As inquietações do cineasta, devidamente transferidas para o protagonista, recaem sobre o estancamento - ou pequeno-aburguesamento, para usar uma expressão ora recorrente - de uma geração que, até há pouco, fazia da inconformidade um combustível fundamental.
O paranaense Bianchi, que tem 68 anos, faz seu jovem alter ego firmar posição aos poucos, depois de ser apresentado a diversas situações representativas desse estancamento. Destaque, entre elas, para o contato com um senador (Sergio Mamberti), militante de esquerda que chegou ao poder e, sublinha o diretor, rechaça visões de mundo diferentes daquelas que ele afirmou como definitivas. Tiro no pé: por mais que suas observações possam fazer sentido, Bianchi parece ter o mesmo posicionamento, ou seja, trata de impor um discurso como verdade única, algo que fizera repetidamente antes, em filmes de caráter moralista, como Cronicamente Inviável (2000), mas que parecia ter superado no mais recente Os Inquilinos (2009), seu trabalho mais arejado e de dramaturgia menos simplista.
Bianchi deixa perguntas no ar, mas quase todas retóricas. As festas pelo recebimento de indenizações milionárias para os militantes torturados, marcadas por discursos do tipo "a justiça foi feita" - é o que já se chamou de "a indústria do dano" o ponto-chave dos questionamentos do protagonista -, são um espetáculo um tanto grotesco.
Entretanto, nem tudo é desprovido de sutilezas em Jogo das Decapitações. Ao mesmo tempo em que testemunha a violenta repressão policial aos estudantes, o personagem principal depara com um "outro lado" ao conhecer a trajetória de um cineasta dado como morto na prisão (Paulo Cesar Peréio). Jogo das Decapitações é, na verdade, o filme dentro do filme deixado pelo artista tolhido em sua liberdade, forma encontrada por Bianchi para fazer uma ponte mais lúdica - e, assim, menos óbvia - entre os dois tempos. As razões da perseguição que esse cineasta sofreu também fazem lembrar que há perguntas não respondidas e questões mais complexas acerca das relações entre a militância contestatória e o poder, ontem e hoje. Pena que não é assim o filme todo.