
Em tempos de pedidos de intervenção militar, um filme pequeno, que está em cartaz desde esta quinta-feira no CineBancários, adquire dimensão maior. Meninos de Kichute recria o ambiente do país durante os anos 1970, em meio ao regime repressor, pelos olhos de um piá de 12 anos (Lucas Alexandre). Seu sonho é ser goleiro da Seleção Brasileira, mas a sociedade conservadora que o cerca insiste em dificultar a concretização deste objetivo.
A forma delicada e generosa com que o diretor Luca Amberg vislumbra a infância naquele tempo é o ponto alto do longa, exibido há quatro anos na Mostra de São Paulo (onde ganhou o prêmio de melhor filme pelo júri popular), mas que só em 2014 conseguiu um espacinho nas salas de cinema do país. O roteiro está cheio de referências à época, que foram pescadas por Amberg com a atenção de quem a tem fresca na memória. "Tudo Magiclick", responde o pequeno protagonista quando alguém lhe cumprimenta com um "E aí, tudo bem?". O fascínio pelo Dodge com toca-fitas, a citação ao personagem Pedro Bó (do humorístico de Chico Anysio), as várias possibilidades de amarrar o cadarço do tênis kichute: são muitas as reminiscências da trama, que tem como matriz inspiradora o livro homônimo de Márcio Américo.
Alguns diálogos óbvios e recitativos, que soam artificiais, jogam contra. Mas o filme tem a seu favor as performances, tanto do ator principal quanto de quem interpreta seus pais (os ótimos Werner Schünemann e Viviane Pasmanter), ele mandão, falso moralista, ela forte, porém oprimida, perfis que transferem para o ambiente doméstico o caráter tolhedor da vida lá fora. Há política sob a maquiagem romântica, nostálgica de Meninos de Kichute, até mesmo na escolha da profissão sonhada pelo filho da chamada "pátria de chuteiras". Pode não ser inspirador como o chileno Machuca (2004), o argentino Infância Clandestina (2011) e o brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), mas tem - muita - coisa a dizer.
Meninos de Kichute
De Luca Amberg. Com Lucas Alexandre, Werner Schünemann e Viviane Pasmanter.
Drama, Brasil, 2013. Duração: 102 minutos. Classificação: livre.
Em cartaz no CineBancários, em Porto Alegre, nas sessões das 17h e das 19h.
Cotação: regular.