
Publicado em 1936, As Aventuras do Avião Vermelho é uma declaração de amor aos livros. O filme que adapta a obra de Erico Verissimo (1905 - 1975) deixa transparecer a mesma paixão pela arte como ponto de partida para um mundo de descobertas. Depois de mais de uma década de trabalho na produção, o longa estreia nesta quinta-feria em 87 salas de cinema de 51 cidades brasileiras.
Trata-se de uma animação sobre Fernandinho, um menino bagunceiro e desobediente (voz de Pedro Ian) que vive com o pai (Sérgio Lulkin) e uma empregada doméstica (Zezeh Barbosa). Um tanto ausente, o velho consegue se aproximar do garoto despertando nele o gosto pela literatura - especificamente a partir das aventuras de O Capitão Tormenta, protagonista do livro homônimo publicado por Emílio Salgari (1862 - 1911) em 1905, no qual o personagem voa pelo mundo até ficar preso em Kamchatka, península à leste da Rússia.
- Quando iniciamos o projeto - conta Frederico Pinto, que assina a direção com José Maia -, pensamos em uma história que falasse algo sobre nós e a nossa identidade, por isso o Erico. Esse livro foi uma escolha natural: tem uma riqueza de imaginação enorme.
De fato, no universo fabular criado pelo autor de O Tempo e o Vento, pode-se visitar China, Índia e África no mesmo dia e cruzar nuvens de algodão-doce até pousar na Lua - habitada por seres extraterrenos que dizem o contrário do que querem expressar. Tudo, é claro, no sonho de Fernandinho, que inspirado pelo Capitão Tormenta viaja na companhia de brinquedos falantes - o boneco Chocolate (Lázaro Ramos) e um ursinho de pelúcia (Wandi Doratiotto), além do aviãozinho dublado por Milton Gonçalves.
Neste Toy Story à gaúcha, fala-se "muito tri" - sem se dispensar o "baianês" de Lázaro Ramos.
- Não vimos razão para seguir a padronização dos sotaques, afinal, no fundo, trata-se apenas de normas estabelecidas pela Globo que são reproduzidas por aí - diz Frederico Pinto.
É cativante o jeito natural de falar do pequeno protagonista - escolhido, segundo o diretor, por ser o "menos ator" dos meninos testados.
- O Pedro (Ian) cresceu junto com o filme nestes 10 anos de trabalho - nota. - Pode parecer muito tempo, né? Mas, para produzir um longa de animação no Brasil, me parece algo normal, dentro dos padrões - ele segue, explicando a duração de cada uma das fases da produção.
Delicado, sensível, o filme foi construído a partir de desenhos manuais, "em contraposição à tendência das animações digitais em 3D", conforme o realizador, que cita como referências o japonês Hayao Miyazaki (de A Viagem de Chihiro) e o longa francês A Profecia dos Sapos (2003). Talvez mais do que isso, no entanto, o grande trunfo do aviãozinho seja as brincadeiras e descobertas que passam de pai para filho: comuns a todos, elas ativam a memória afetiva de espectadores das mais diversas gerações.
De Luis Fernando Verissimo, escritor e filho de Erico, sobre As Aventuras do Avião Vermelho:
"O Fernandinho da história não sou eu. Como ainda não tinham filhos, o pai e a mãe pegavam o Fernando, caçula dos vizinhos Luisa e Henrique Bertaso, como filho emprestado. As Aventuras do Avião Vermelho foi o livro do pai que mais li, contando o tempo em que ler consistia apenas em manusear o livro e admirar as ilustrações. Quando aprendi a ler, o prazer se multiplicou, mas meu primeiro contato com o livro foi puramente tátil e visual. Antes de saber ler, muitas das aventuras do Fernando e do avião vermelho aconteceram na minha imaginação. A história tem isso de bom, que o filme também tem: atiça a imaginação."
As Aventuras do Avião Vermelho
De Frederico Pinto e José Maia.
Animação, Brasil, 2014.
Duração: 70 minutos. Classificação etária: livre.
Cotação: bom.