
Assim que retornou a Porto Alegre, ainda no ano passado, Abel Braga passou a dar detalhes sobre as mudanças que o Inter sofreria sob o seu comando. Era dezembro quando o técnico deu a primeira entrevista coletiva, em um salão do Hotel Millenium, com vista para o Beira-Rio em final de obra para a Copa do Mundo.
O time que encerrava 2013 com uma campanha sofrível estava prestes a mudar. E o treinador surpreendeu ao dizer que o seu novo Inter começaria por Willians.
- O meu time é Willians e mais 10 - disse um empolgado Abel.
Por que Willians? Um dos mais contestados jogadores da temporada passada, que errava passes, não guardava posição ou conseguia cobrir as subidas dos laterais? Porque Abel confiava cegamente no camisa 8. Porque o técnico queria Willians como o avalista de seu meio-campo ofensivo.
Ele é o cão de guarda da defesa, enquanto Aránguiz, Alex e D'Alessandro têm liberdade para avançar. Na goleada sobre o Cuiabá, Willians saiu de campo aplaudido de pé pelos torcedores no Beira-Rio. Quanta diferença. No ano passado, sairia vaiado.
Zero Hora conversou com Willians após o treino da quinta-feira à tarde. Sob chuva, o volante surgiu no CT com o seu Nissan 370 Z, branco, uma máquina que chega aos 250km/h, com a ajuda de seu motor 3.8 e 6 cilindros.
Camiseta e tênis brancos, jeans e óculos para leitura, Willians revelou que pediu para ir embora do clube, após desentendimento do ano passado com o então técnico Clemer. Mas se disse feliz por ter ficado. Nesta semana, ampliou o contrato com o Inter até 2017. E, agora, voltou a jogar com alegria.
Nesta entrevista, o volante colorado fala sobre a histórica vitória em cima do time de Abelão, sobre o sistema de jogo do Inter, o seu pedido de demissão do clube e conta que o elenco atual acredita nos grandes títulos, o que, segundo ele, não ocorria na temporada passada. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Você está feliz?
Muito. Estou em um clube maravilhoso, com um ambiente excelente.
Como você recebeu aquela declaração do Abel, de que o time dele seria você e mais 10?
Com um carinho imenso. Sempre me esforcei aqui e fui honesto com o clube e com o meu trabalho. Estava de férias na época, fiquei surpreso e feliz.
Você chegou a enfrentar o Abel por outros clubes?
Fui campeão da Copa do Brasil em cima do Flamengo dele (risos). Sacaneei o Abel (mais risos). O time de 2004. Eu era do Santo André, tinha 22 anos, estava começando, e vencemos o Flamengo no Maracanã, com 70 mil pessoas. Foi algo grandioso. Brincadeiras à parte, devo muito ao Abel. Só estou nesse bom momento porque ele me deu muita força e até me ensinou a melhorar em campo.
O que ele costuma pedir para você fazer em campo?
Abel é um cara muito sincero. Sempre me chama e conversa para que corrija meus erros. Quando atleta e treinador têm diálogo, fica mais fácil para se trabalhar. Estou melhorando a cada dia.
Você parece um novo jogador em 2014. Parou de errar passes e é um dos ídolos da torcida, ao contrário do ano passado. O que mudou?
Aprendi muito do ano passado para cá. Tenho muita força, vitalidade. Mas vinha errando, não porque quisesse, mas sempre me faltava alguma coisa. Para o grupo também. Todos nós erramos demais em 2013. Mas tive humildade para reconhecer os erros. Hoje, tirei esse peso das costas, o peso do erro. Tenho errado muito menos, o diferencial está aí.
Mas que erros são esses?
Desde a minha colocação até o jeito de jogar. Com os grandes profissionais que têm no clube, você para e escuta as recomendações e, se for inteligente, as acata. E faz as coisas acontecerem. Tenho o respeito do torcedor e não quero perder mais isso.
Willians, Aránguiz, Alex e D'Alessandro. Parece que Abel encontrou um dos melhores meios-de-campo do Brasileirão.
O setor cresceu muito nessa temporada. Abel vem nos orientando muito bem e pegamos um entrosamento muito rápido. Hoje, é possível dizer: temos um time muito entrosado.
LEGENDA Foto: Ricardo Duarte
Por que o Inter foi tão mal no ano passado, mesmo com boa parte do elenco atual?
Faltava comunicação ao time, e também acreditar. Tínhamos um grande elenco, mas não acreditávamos na equipe. Se perdêssemos uma partida, já ficávamos abatidos. Levávamos um gol e não reagíamos. Não acreditávamos na reação, ao contrário de hoje. Por exemplo: nesta temporada, viramos dois jogos dificílimos: contra o Grêmio, na Arena, o jogo de ida das finais do Gauchão, e a recente partida contra o Atlético-PR, pelo Brasileirão. Essas viradas não ocorreriam no ano passado.
Muito se falou da briga entre você e Clemer, no Centenário, quando você o criticou por ele não ter feito mudanças durante a partida. Você pediu para sair do Inter depois daquele episódio?
É verdade. Ocorreu um fato que jamais deveria ter acontecido. Ao sair de campo, fui entrevistado pelas rádios e fiz um comentário. Um comentário que não era para afetar ele. Respondi a uma pergunta e aquilo fez com que a gente se desentendesse. Mas nada que pudesse afetar nossas carreiras. Sou muito homem, ele também. Nos desculpamos. O importante é que agora sigo a minha carreira e ele, a dele.
Mas você pediu para sair do Inter, por causa daquele episódio?
Pedi para sair, sim. Mas o Chumbinho (o então diretor executivo do Inter, Newton Drummond, demitido no começo desta temporada) foi à minha casa e pediu para eu repensar e ficar. Eu estava cansado daquilo. Conversamos bastante. Chumbinho também me pediu desculpas em nome do clube.
Você e Clemer chegaram a brigar no vestiário?
Não. Houve um bate-boca forte e um empurra-empurra, apenas.
No esquema montado pelo Abel você é o jogador que vai para o sacrifício na marcação, a fim de liberar os demais.
Estou gratificado com isso. O meu trabalho é este. Mas Aránguiz e Alex marcam muito também. Não é pesado, ainda mais porque estou bem fisicamente. Sofri muitas críticas no ano passado. Refleti muito nas férias, sei que fiz coisas erradas em campo, que afetaram o meu trabalho. Me corrigi e, hoje, voltei a ser feliz no Inter, por ter o reconhecimento do torcedor. Sei que estou fazendo um grande trabalho. Fiquei muito contente por ter ampliado o contrato até 2017.
Você foi campeão brasileiro, em 2009, com o Flamengo. Sente no Inter atual esse mesmo espírito de equipe que chegará ao final do ano brigando pelo título?
Com certeza. Vejo um time com a mesma determinação daquela equipe. Fomos até o final, vencemos o campeonato mais difícil dos últimos anos, com até três clubes brigando pela taça (Flamengo, Inter e São Paulo) na última rodada, porque acreditávamos. O grupo do Inter tem a mesma força daquele Flamengo. Temos uma força muito maior do que a do ano passado. Confiamos muito em nossa comissão técnica.
Naquela tarde, o Grêmio jogou com a equipe B. Aquilo beneficiou o Flamengo?
Não. Foi um problema para nós. Levamos o 1 a 0 e um sufoco da garotada do Grêmio. No intervalo, levamos uma rasgada do treinador (Andrade). Se perdêssemos, não sairíamos vivos do Maracanã. Andrade não é de gritar, mas naquele dia, acabou com a gente no vestiário. Voltamos e viramos o jogo.
Como se explica a conquista do Gauchão com duas vitórias em Gre-Nais?
Fomos à Arena para fazer ao menos um gol. O Grêmio nos envolveu no começo, levamos o gol, e equilibramos o jogo até virar. É sobre isso que falo: isso é acreditar. Viramos, mesmo com a Arena lotada. Neste ano, é assim: se levamos um gol, paramos, respiramos, nos acalmamos e vamos buscar o resultado. No ano passado, se levássemos um gol era capaz de partimos para a briga entre nós mesmos.
O fim da concentração foi bom para os jogadores do Inter?
Foi muito bom. Se os demais clubes brasileiros fizessem isso, seria bom para todos. Ainda que reconheça o fim da concentração como um risco no Brasil. Mas, aqui, estamos levando muito a sério. Não concentrar implica maior responsabilidade. E está dando frutos. Estamos bem fisicamente e ganhando.
Você está com um preparo melhor?
Estou bem melhor fisicamente do que no ano passado. Estou mais forte.
Você está gostando dessa Copa do Brasil diferente, que se estenderá ao longo de todo o ano?
Estou gostando, mas eles poderiam regionalizar a competição. Viajar para Belém, depois Cuiabá e, agora, possivelmente para Fortaleza (Ceará pode ser o próximo adversário), é desgastante.
Voltar à Libertadores está nos planos para 2015?
Libertadores é um dos nossos projetos, sim. O primeiro, porém, é ser campeão da Copa do Brasil ou do Brasileirão.
Voltar ao futebol europeu é um de seus sonhos (Willians estava na Udinese quando foi comprado pelo Inter)?
Com certeza. Estou maduro e com uma idade boa ainda (tem 28 anos). Se for algo bom para todas as partes, voltarei. Não consegui me adaptar ao estilo de jogo da Udinese. Por isso, pedi para voltar. Queria jogar mais e, lá, a equipe mudava a toda hora.
A interrupção do Brasileirão para a Copa do Mundo será boa ou ruim para o Inter?
Se chegarmos em primeiro até a parada, será ruim, porque ficará bem mais difícil retomar o ritmo. Vai nos atrapalhar. Tomara que façamos uma ótima intertemporada (no Costão do Santinho) durante a Copa.
Os óculos são por necessidade ou apenas por estilo?

Não, não é estilo, não. Uso mesmo. É para descanso. Para que eu não fique com dor de cabeça ao final do dia.