
Ela já estava com saudade até mesmo do cheiro do suor impregnado no quimono e da sensação desagradável de arrancar dos dedos esparadrapos de proteção. Depois de quatro meses em inatividade por conta de uma dupla cirurgia (nos ligamentos do joelho direito e do cotovelo esquerdo), Mayra Aguiar não via o momento de voltar ao dojô.
Medalha de bronze em Londres 2012 e no Mundial do Rio no ano passado, a judoca enfim reencontrou os tatames. Um dos principais nomes do mundo na categoria meio pesado (até 78kg), ela voltou aos treinamentos na semana passada. A expectativa é retornar às competições no início de junho, em Havana (Cuba).
Aos 22 anos, Mayra está acostumada às lesões. Por conta do puxa-agarra-derruba do judô, luxou um cotovelo aos 11 anos e já contabiliza quatro cirurgias. Mas, desta vez, a atleta diz que sofreu demais com as dores. Por mais de um mês, conta que ficou dependente da mãe, Leila Quintana de Aguiar, até para tarefas mais prosaicas do dia a dia.
- Virei criança de novo, não conseguia fazer quase nada sozinha.
Uma luta desigual acabou levando a raçuda porto-alegrense para a mesa de cirurgia. Em setembro, teve de enfrentar uma sul-coreana 50 quilos mais pesada no Mundial por equipes no Rio. Habituada a duros treinamentos com marmanjos, ela venceu o combate, mas saiu do tatame com o joelho avariado.
De bem com a vida e com as articulações recauchutadas - fundamentais na aplicação de golpes como o uchimata (movimento em que a adversária é arremessada com as pernas) e ashi-waza (espécie de rasteira) -, Mayra retoma a preparação para conquistar o ouro olímpico, no Rio. A judoca diz que lida bem com a condição de favorita. Após duas participações em Jogos, afirma que chegou o momento de subir ao topo do pódio:
- Vou treinar tanto que, mesmo se acordar supermal, ainda vou estar melhor do que as adversárias.
"Estou numa fase ótima da minha vida"
Mayra Aguiar conversou com ZH na semana passada. Leia os principais trechos:
Quantos ippons e wazaris imaginários tu aplicaste nestes quatro meses de inatividade?
Muitos... Ficava mentalizando, sonhava que estava competindo. Ficava me imaginando no tatame. Mas procurei pensar um pouco na vida fora do judô. Procurei estudar bastante, dar uma acelerada nas cadeiras da faculdade (Mayra está no segundo semestre de Educação Física). Estou estudando inglês também, viajei um pouco pelo Brasil.
Tu és obcecada pela conquista do ouro olímpico?
A maior vontade de qualquer atleta é chegar a uma Olimpíada. Depois, é ganhar uma medalha e, depois, ganhar o ouro. Estou nessa última fase. Já tenho a medalha olímpica (bronze em Londres 2012), então vou em busca do ouro, não ficarei contente com menos do que isso. Mas é um objetivo saudável, não é algo que vai me sufocar.
A atmosfera da torcida no Rio vai ajudar os atletas brasileiros ou a pressão por resultados poderá atrapalhar?
Gosto muito de competir em casa, com a torcida a favor, com a minha família, meus amigos. Mas também tem o outro lado: o brasileiro cobra bastante. Temos de nos preparar para superar isso (a pressão por resultados).
Tu consegues lutar com a mesma naturalidade em uma Olimpíada?
Olimpíada é a disputa mais visada de todas. Não existe atleta que chegue lá e não fique nervoso. Não adianta estar bem preparado se não estiver com a cabeça boa. O nível técnico é muito parecido. Se demonstrar que não está bem, perde a luta. Nas minhas melhores competições, estava numa fase muito boa da minha vida, não apenas no judô.
E como está a tua vida?
Estou numa fase ótima da minha vida! Estou superbem, solteríssima (risos). O que acontece com o atleta? Ele acorda, come, treina, dorme. Então, sufoca. O que vai ser da minha vida se não estudar, não me divertir, não namorar. Quando posso, procuro me desligar totalmente do judô.
* ZH Esportes