De dia, a labuta pesada na roça de fumo com os pais e a irmã, em Venâncio Aires. À noite, a escuridão. Viu TV pela primeira vez aos seis anos, na casa de uma professora. Irmãos Coragem. Não havia luz elétrica em casa. Só um rádio de pilhas e uma paixão familiar: o Grêmio.
Ilustração: Gonza Rodríguez
Era o suficiente. De lá para cá, sua trajetória seguiu ascendente, mas estava escrito que o futebol voltaria para receber de volta toda a vontade de vencer na vida despertada pelo mundo de imagens e sensações das jornadas esportivas emanadas daquele radinho mágico.
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O resumo acima bem poderia ser a história de um centroavante. O enredo é até comum em um país ainda tão desigual como o nosso, no qual o talento com a bola nos pés é atalho social único. Mas o funil para Lisete Inês Frohlich seria ainda mais estreito do que o das promessas da base. Se já é raro um clube de futebol ter conselheira, que dirá presidenta ou presidente - melhor dar as duas opções, senão a patrulha de aecistas e dilmistas vem com tudo.
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Lisete, 51 anos, chegou lá. Deste setembro, ela comanda um clube de futebol gaúcho centenário. Se tudo der certo, o Riograndense, de Santa Maria, abrirá 2017 na Série A. É o plano de Lisete:
- Temos de subir e ficar. Subir e cair não me serve. Primeiro, gestão. Depois, resultado. Se conseguirmos fazer ambos chegarem mais cedo, melhor. Mas o segredo é colocar a mão na massa com o pé cravado no chão.
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Inês é assim: você fala com ela e fica meio tonto. É tudo planejado, pensado, os estágios e objetivos detalhados, os personagens envolvidos engajados, o cenário da transformação desenhado como se fosse o futuro, agora. É preciso interrompê-la. Se o seu time - a comissão técnica e 25 jogadores já estão contratados para a Divisão de Acesso - tiver a mesma criatividade e velocidade para engatar uma frase na seguinte, o Riograndense sobe este ano.
É neste ritmo que Inês arruma dinheiro mesmo sem receita de TV, venda de jogadores ou bilheteria de grandes jogos. Seduz os empresários locais com projetos profissionais, fruto de sua formação bancada pela colheita da roça na lavoura familiar: psicologia, pedagogia, MBA em gestão empresarial e FGV de marketing esportivo e gestão.
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Já tem cinco patrocinadores na camiseta, fora as parcerias em obras específicas, como um campo de gramado sintético e a reforma do pavilhão social do estádio dos Eucaliptos, inaugurado em 1935:
- Não sou milionária. Não vou colocar grana do meu bolso. Não vamos reproduzir velhas práticas. Não queremos esmola, mas investimentos. A minha função é oferecer retorno.
Antes de ser eleita presidente do Riograndense por aclamação, a convite dos próceres do clube, encantados que estavam com o seu período à frente do marketing, Lisete colocava clubes sociais nos trilhos através de sua empresa de consultoria. Acompanha os treinos ao lado de Wagner Luz Feuerharmel, um dos fundadores da Associação Brasileira de Executivos de Futebol (Abex), contratado para gerenciar o futebol:
- Sou uma gestora apaixonada pelo que faço. Santa Maria está se engajando. Nós conseguiremos.
Lisete viajará com o time por todas as cidades no Acesso. O jeito de mãezona disposta a dar conselhos a aproximou dos jogadores, que a respeitam pelo tratamento profissional. Uma mulher presidente, separada, dois filhos (uma de 33, outro de 24 anos), dando as cartas em um universo duplamente machista: futebol e Rio Grande do Sul.
Se o Riograndense-SM, vice-campeão gaúcho de 1921 contra o Grêmio de Lara, longe da Série A desde 1978, voltar ao topo, teremos muito o que falar. Lisete será iluminada pelos holofotes do futebol. Porque havia um radinho de pilha e uma paixão clareando o breu de casa depois do trabalho duro na roça em Venâncio Aires.

*ZHEsportes