
Foi um duelo por uma namorada, uma história de amor que, anos mais tarde, fez de Fabrício Werdum o primeiro gaúcho campeão mundial dos pesos-pesados do UFC (Ultimate Fighting Championship), ao nocautear o neozelandês Mark Hunt, em recente combate na Cidade do México. Em 13 de junho, outra vez no México, ocorrerá a luta para a unificação do título, quando Werdum enfrentará Cain Velasquez (EUA).
Tudo começou no final de 1998. Werdum namorava uma garota cujo ex-namorado ainda tinha pretensões de reatar o romance. O ex, então praticante de jiu-jitsu, convidou Werdum para participar de uma aula, na academia na qual ele era aluno. O futuro campeão mundial ainda estava em uma fase de brigas de rua, por zoeira, mas não praticava qualquer arte marcial. Muito menos jiu-jitsu. Mesmo assim, Werdum topou o desafio. Não queria fazer feio na frente da namorada - ainda que imaginasse o risco que correria.
Werdum não recorda quantos segundos demorou para que o ex o finalizasse. Em frente à namorada. Naquele instante, começava a nascer um campeão. Werdum se inscreveu em uma academia, passou a treinar jiu jitsu, tomou gosto pela luta, e não parou mais. Um ano depois, chamou o ex para uma revanche. Que nunca ocorreu. O ex alegou uma lesão no cotovelo para não voltar ao tatame, contra um Werdum versão jiu-jitsu.
O namoro durou pouco mais de um ano e acabou quando o lutador se mudou para Madrid, a fim de acompanhar a mãe, Maria Célia, que havia sido transferida pela empresa em que trabalhava para a capital espanhola. Lá, manteve vivo o sonho de voltar ao Brasil para ser lutador de MMA.
Cada peso recebido em pagamento aos bicos, nas "plazas de toros" ou fechando fardos de revistas para serem entregues de madrugada, era transformado em um trecho da viagem de retorno ao país. Catorze anos depois, Werdum se tornou uma referência mundial no UFC.
Nesta entrevista a Zero Hora, o gaúcho de 37 anos, 1m93cm de altura e 105 quilos conta os sacrifícios para se tornar um campeão, diz que o MMA o afastou das drogas, fala sobre a importância que a mulher e os filhos têm para as suas lutas, afirma que deseja uma revanche com Cigano, revela o sonho de ter o UFC em Porto Alegre e explica como transformou um drible no Parcão em bordão para a sua carreira. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Werdum parte para o ataque contra Hunt na luta que valeu o cinturão
Foto: Josh Hedges/UFC

Como é realizar um sonho?
Sempre corri atrás dos meus sonhos, comecei o jiu-jitsu ali na Protásio Alves (na Academia Winner Behring). Sempre tive como objetivo ser campeão mundial de jiu-jitsu. Consegui por três vezes. Depois, fui para o ADCC, um mundial sem quimono. Consegui vencer duas vezes. E daí coloquei na minha cabeça que queria ser campeão mundial do UFC. Tive altos e baixos, várias derrotas, mas consegui o sonho da minha vida. Digo para todo mundo: não espere pelos outros, faça por você. Porque ninguém vai fazer por ti.
Você sempre gostou de luta?
No começo, antes de fazer jiu-jitsu, eu brigava muito na rua. Depois que conheci o jiu-jitsu, nunca mais briguei na rua. É um esporte que envolve disciplina, te dá confiança, concentração.
Você procurou as artes marciais para parar de brigar?
Fui para as artes marciais em 1998 por causa de uma ex-namorada, a Luciana. O ex-namorado dela, lembro que o nome era Marquinhos, fazia jiu-jitsu e ele gostava dela ainda. E um dia me viu e me convidou para fazer jiu-jitsu. Na frente dela. Eu disse que não queria, nem sabia o que era isso,. A guria incentivou, os amigos que estavam na volta também. Fui fazer com ele, então, para ver como era. O cara me pegou no triângulo, rapidinho... Não foi uma briga, mas ele fez certamente para eu passar vergonha na frente dela. Conseguiu, né? Mas no outro dia fui visitar uma academia, comecei a fazer o jiu-jitsu e nunca mais parei. Um ano depois, fui campeão mundial. Cheguei a ver o cara, lembro dele até hoje, vi ele e falei: "Vamos fazer um rola agora (bordão para fazer uma luta)". Ele não quis, disse que não podia, que estava com o cotovelo machucado...
Não acertou as contas?
Não sei se hoje em dia eu o agradeço ou o desafio para uma luta. O cara, na verdade, me ajudou. Eu já vi ele algumas vezes e sempre quis fazer um rola, mas ele não quis. Sempre tinha uma desculpa. O que eu acho legal desta história é que o triângulo foi o primeiro golpe que eu conheci, nem sabia como era. E, 10 anos depois, eu consegui finalizar o melhor do mundo com um triângulo (uma posição típica do jiu-jitsu, onde se obriga o adversário a desistir da luta, após envolver a sua cabeça e um de seus braços com as pernas).
Uma curiosidade: o namoro com a Luciana seguiu?
Namorei um tempo, mas fui morar na Espanha, um ano depois... Só voltava para o Brasil para competir um mês antes das lutas. Minha mãe, Maria Célia, mora na Espanha há mais de 20 anos, já morava lá naquela época, por causa do trabalho dela. Isto era 1998, quase 1999. Ganhei o primeiro mundial em 2000 (faixa azul; ganharia outros dois, já na faixa preta, em 2003 e em 2004). Morei em Madrid por 10 anos, minha mãe hoje é aposentada, mas trabalhava na Iveco (a marca de caminhões da Fiat).
Lutador é fanático pelo Grêmio e falou sobre o sonho de atuar na Arena
Foto: Ricardo Duarte/Agência RBS

UFC é só sentar a porrada? Quem é mais forte ganha ou tem técnica?
É muito mais técnica do que força. O nível está muito alto no MMA. Hoje, você tem de saber um pouco de cada coisa, de cada arte marcial, tem de saber jiu-jitsu, boxe, muay-thai... Por isto que treinamos cada dia uma arte diferente.
O treinamento de MMA é sofrido?
É muito forte. Quando você quer ser profissional, tem de fazer só isto. Vejo que, no Brasil, os atletas trabalham com outras coisas para se sustentar e conseguir fazer o MMA. No começo, para as pessoas acreditarem em ti, tu conseguir patrocínio, suplementação... é difícil. Você tem transporte, comida... é muita coisa envolvida para fazer só isto. Claro, eu corri muito atrás, sempre tive o apoio de vários patrocinadores, minha família sempre me apoiou. Mas não é todo mundo que tem isto, de ter a sorte de ter sempre este apoio. Principalmente no início, né? Para você desistir, é um pulo. Aconteceu várias vezes de eu pensar em desistir, mas eu focava e dizia: "Eu vou conseguir". E ia em frente. Na Espanha, quando fui morar com minha mãe, sempre quis trabalhar, sempre quis fazer o meu lado. Tive muitos empregos temporários em Madrid para conseguir o meu dinheiro, para fazer o que eu queria, comprar passagem, me sustentar para lutar o Mundial. E consegui. Minha mãe, no final de tudo, quando eu não conseguia, me ajudava para eu poder fazer o que eu precisava fazer. Eu podia pedir para ela "preciso de tanto, essa passagem, esse hotel"... mas não. Eu pegava o que fosse, o que viesse para poder ganhar meu dinheiro e disputar o Mundial no Brasil.
Que bicos você fez na Espanha?
Ah, fui pedreiro em prédio, distribuía revistas a madrugada inteira, trabalhei na Plaza de Toros, fui "arigó" de obra. Já fui assistente de palco na TV também. Era uma empresa de serviços temporários, os caras me ligavam e diziam: "Ó, Fabrício, tem isto, quer?" E eu ia. Uma semana, dois dias, três dias... mas tudo pensando em guardar meu dinheiro, voltar ao Brasil e disputar o Mundial.
Você chegou a jogar futebol?
Só na praça. Jogava peladas na Praça Tamandaré. Ia muito ao Olímpico, com o meu pai, assistir aos jogos do Grêmio.
Werdum ao lado do mestre Rafael Cordeiro e do campeão Jon Jones
Foto: Reprodução

Como é a história do "Vai, cavalo", o seu bordão nas lutas, ao finalizar os adversários?
O "Vai, cavalo" é gíria do Parcão. Jogava ali. Quando você dava um drible curto, via o cara passar lotado e gritava: "Vaaaaai, cavalo". Quando comecei no jiu-jitsu, passei a falar o "Vai, cavalo". Na academia, o pessoal não conhecia a expressão. No Parcão, onde jogava também o pessoal mais pobre, todos conheciam. Adotei. O Bruce Buffer anuncia: Fabrício "Vai Cavalo" Werdum.
Mas, no Parcão, você falava mais o "Vai, cavalo" ou escutava mais?
Não vou mentir.... Eu tomava vários "vai, cavalo" (risos). O Hunt levou o "vai, cavalo" ou o "vai na venda".
Fora o Marquinhos, quem você gostaria de enfrentar no tatame?
Não tenho nada contra o Marquinhos. Tem muito cara que se acha, que tira onda. O Wolverine (o brasileiro Hugo Wolverine), Arlovski (o bielorrusso Andrei Arlovski). Mas tenho vontade de ter uma revanche com o Cigano (o brasileiro Junior Cigano). Foi uma época em que eu não estava 100% concentrado, que não tinha uma família ainda, uma estrutura. Tenho vontade de fazer uma revanche com ele. Mas não é o momento. Agora, é o Velasquez.
Te frustrou a troca de adversário? Em vez de Velasquez, Hunt?
O Dana White ( o dono do UFC) me ligou e disse: "Tenho uma notícia boa e uma ruim. A boa é que você vai lutar pelo cinturão dos pesados. A ruim, é que não será contra Velasquez. Ele se machucou, e o Mark Hunt será o substituto". Eu disse que tudo certo. Pô, o Hunt é um cara que eu nem pensava em lutar, e ele já era campeão. Fiquei meio assim, mas, depois, liguei para o meu professor, Rafael Cordeiro, e fiquei mais tranquilo. Trocamos a estratégia e tudo deu certo.
Você pensa nas suas filhas antes de ir para as lutas?
Com certeza, são minha força. A Joana, a pequeninha de nove meses, começou a caminhar quatro horas antes da luta contra o Hunt. Minha mulher, Karine, mandou um vídeo. Foi emocionante ver ela e a Júlia (a primogênita, de 7 anos), me deu mais força.
É um sonho lutar na Arena?
O UFC já tentou fazer lutas em Porto Alegre, mas não há estrutura neste momento. A Arena é aberta, não há como fazer por causa do tempo, pode chover. Se pudesse adaptar a Arena, seria um sonho. Quero lutar em Porto Alegre, em casa, na frente dos amigos.
Tens acompanhado o Grêmio?
Pouco. Soube que ganhamos de 4 a 1... o Gre-Nal. Mas estava concentrado demais para a luta, não pude acompanhar de perto.