
O futuro do trigo, a cultura mais antiga do Estado, que deu origem às lavouras gaúchas e teve importante papel no desenvolvimento econômico, está colocado à prova. Para se ter uma ideia, há 40 anos o Rio Grande do Sul chegou a ter 2 milhões de hectares. Nesta safra, os triticultores semearam 766,86 mil hectares - a menor área dos últimos 10 anos, segundo dados da série histórica da Emater. Além das oscilações climáticas, a falta de políticas de estímulo à comercialização do trigo é um dos fatores que dificultam a estabilidade da cultura.
– Mesmo quando a safra tem qualidade, o preço não acompanha – ressalta Argemiro Luís Brum, analista de mercado do Centro de Análises Econômicas e Estudos de Mercado Agropecuário da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
O especialista refere-se aos valores praticados no mercado e que estão abaixo do preço mínimo definido pelo Ministério da Agricultura - R$ 38,65 a saca de 60 quilos. Para Brum, que também é professor de Economia da Unijuí, a saída é exportar o grão para países da África e da América Latina. Responsável pela divisão de trigo da corretora de cereais Brasoja, João Eduardo Almeida concorda que a exportação é o caminho. Para aliviar a situação, o setor aguarda um alento.
– O governo teria que fazer imediatamente o Pepro (Prêmio Equalizador Pago ao Produtor) para acelerar o escoamento do grão - reforça Almeida.
A expectativa é que sejam liberados R$ 150 milhões para operações de Pepro no Paraná e Rio Grande do Sul. Apesar de o valor ser considerado insuficiente pelo setor, há consenso de que ajudaria a movimentar mercado. Enquanto isso não ocorre, os produtores avançam na colheita, preocupados com o destino do grão. Diante do preço médio do milho – R$ 37 a saca – superior ao valor médio atual do trigo tipo pão – R$ 32 a saca – o temor é de que o cereal de qualidade seja destinado à produção de ração.
O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias (Fecoagro), Paulo Pires, também lamenta a falta de perspectiva para a venda do grão, que pode acarretar na falta de espaço de estocagem devido à entrada da safra de milho, em janeiro. Hamilton Jardim, presidente da Comissão do Trigo da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), concorda que o grande gargalo é a comercialização.
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Na contramão da tendência de redução gradativa da área, o produtor Jeferson Morás, 29 anos, apostou no incremento da lavoura de trigo em Espumoso. Atento às previsões climáticas, o técnico em agropecuária convenceu o irmão Junior, 28, e o pai, Ivo, 60 anos, a ampliar de 17 hectares, no ano passado, para 110 hectares neste ciclo.
– Não dá para pensar só no lucro, pois o trigo reverte em benefício para a soja - destaca Jeferson, responsável pelo gerenciamento da propriedade, acrescentando que é notável a melhora da produtividade da oleaginosa nas áreas onde no inverno foi cultivado o cereal.
A família também plantou aveia e cevada. Apesar do receio, Ivo, que planta trigo há 50 anos, na época em que ajudava o pai, avalia que a decisão foi acertada.
– Sempre tem que ter trigo, para fazer a rotação de cultura – alerta o patriarca, mostrando consciência sobre a importância do plantio direto.
O técnico em agropecuária Lauro Colle, chefe do escritório da Emater de Espumoso, ressalta o papel do trigo na sustentabilidade das propriedades por ser uma cultura que deixa residual de nutrientes por meio da palhada. Os produtores do município semearam 11 mil hectares do cereal, redução de 15% em relação a 2015. A produtividade deve chegar a 3,5 toneladas por hectare, superando a expectativa inicial e a média estadual.
Separação dos grãos é caminho

Uma das alternativas para melhorar a remuneração é a separação do trigo pela qualidade, a chamada segregação.
– O trigo tem qualidade e isso deve ser preservado até o final. A segregação é um caminho necessário para avançarmos – pontua o secretário da Agricultura, Ernani Polo, lembrando que neste ano a Câmara Setorial do Trigo desenvolveu tabela separando as variedades do cereal em grupos para facilitar e estimular a adoção da medida pelos triticultores, cooperativas, cerealistas e indústrias.

Há seis anos, a prática começou a ser adotada pela Cooperativa Tritícola de Espumoso (Cotriel). O técnico agrícola Odelsio Hartmann, gerente de grãos da cooperativa, explica que para classificar o trigo é necessário ter estrutura mínima com dois secadores e quatro moegas. Por isso, todo o processo é concentrado na sede.
Mesmo diante da falta de liquidez do trigo, a cooperativa recebe o grão da família Morás, assim como dos demais produtores, e usa o cereal como moeda de troca para abater valores referentes a insumos, por exemplo. Dos 6,2 mil associados, pelo menos 20% ainda plantam trigo.

– O incentivo da cooperativa é o consumo pelo próprio moinho – comenta o vice-presidente da Cotriel, Paulo Parizotto, destacando que 50% do volume recebido é consumido internamente para produção de farinha ou de ração.
Ao término da colheita, que vai até o final de novembro, a cooperativa espera receber 450 mil sacas ou 70% do trigo colhido no município. Considerando a produção regional, que abrange 10 municípios, a expectativa é chegar a 700 mil sacas.
Produtividade quase recorde

Considerando a área já colhida até o momento – 45% ou 345 mil hectares – a expectativa é de que a produtividade média seja de três toneladas por hectare. Diferentemente das duas safras anteriores, que foram frustradas, as condições climáticas adversas das últimas semanas não devem impactar na qualidade do grão, que de modo geral está com PH acima de 78 – teor necessário para ser classificado como trigo pão.
– Nas lavouras que sofreram com chuva, geada e vendaval em outubro, a produtividade cai para 2,4 toneladas por hectare. Mas há áreas em que os produtores estão colhendo 4,2 toneladas por hectare – detalha o agrônomo Claudio Doro, gerente regional da Emater em Passo Fundo.
Entretanto, a grande oferta do grão no Estado, somada aos estoques mundiais de trigo – 236 milhões de toneladas –, pressiona os preços para baixo. Segundo levantamento diário do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, o trigo registra queda de 35,5% nos últimos cinco meses. Na quarta-feira, a tonelada do cereal estava em R$ 541,58.
– O que fazer com a qualidade do trigo que vamos colher? – questiona o presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Rio Grande do Sul (Acergs), Vicente Barbiero.
Presidente do Sindicato da Indústria do Trigo do Rio Grande do Sul, Andreas Elter afirma que os moinhos são parceiros, mas que o consumo anual é limitado a 1,4 milhão de toneladas e a capacidade de estoque é para até três meses.
Histórico do trigo no Estado
- A maior área colhida no Rio Grande do Sul foi de 2,1 milhões de hectares, em 1976
- Até a década de 1990, todo o grão colhido era comprado pelo governo por meio de um órgão ligado ao Banco do Brasil chamado Comissão para a Compra do Trigo Nacional (Cetrin)
- Os menores números foram registrados em 1995, quando os triticultores gaúchos colheram 334,5 mil toneladas em área de 270,2 mil hectares
- A maior safra gaúcha de trigo foi em 2013, quando foram colhidas 3,351 milhões de toneladas
Alternativas
- Contratos de compra e venda com a indústria
- Incentivos tributários para que a indústria consuma primeiro o cereal gaúcho
- Mudança na legislação que permita levar o grão por cabotagem para Estados do Norte e Nordeste
- Redução do ICMS para vender o grão a outros Estados
- Mecanismos do governo federal para equalização de preço
- Ampliação das exportações de trigo