
"Busco sempre ser diferente para o melhor, nunca para o pior"
Egídio Paludo, 80 anos
Enquanto a cidade cresce e as construções se multiplicam desenfreadamente, Egídio Paludo, 80 anos, planta hortaliças, alheio ao que acontece em seu entorno. Com a calma de quem sabe lidar com o tempo, o morador do Marechal Rondon cultiva alfaces, couves, rabanetes, entre outras hortaliças, em terrenos que parecem transplantados de zonas rurais do Estado para a área urbana do município.
Natural de União da Serra, do tempo em que a cidade ainda fazia parte de Guaporé, ele mora em Canoas há cinco décadas. Caminhoneiro de profissão, dirigiu por 28 anos em uma época em que as estradas eram escassas. Ele conta que, certa vez, foi até Juazeiro do Norte, no interior baiano, em um caminhão que mal passava dos 40km/h.
Plantio em terrenos urbanos ajuda a engordar a renda
Pai de três mulheres e dois homens, seu Paludo está aposentado há 34 anos e mora com a mulher. Começou a plantar em terrenos urbanos depois que largou a boleia, para engordar a renda de aposentado. Começou plantando no próprio sítio, em Gravataí. Depois, vendeu a propriedade e transferiu o hábito para Canoas, onde o mantém. Segundo Paludo, já chegou a cultivar em cinco terrenos ao mesmo tempo, mas a idade o obrigou a reduzir para "apenas" dois. Ao todo, contabiliza ter plantado e colhido em mais de 10 propriedades da cidade, conta atestada pelo vizinho Carlos Alberto Possebon, 70 anos, para quem Paludo tem um capricho admirável.
A vitalidade de Paludo impressiona. Sozinho, organiza e aduba os terrenos, com cerca de 300m² cada. No cultivo, utiliza apenas adubo orgânico, e a colheita é oferecida a vizinhos e conhecidos, além da parte destinada ao dono da propriedade. Para ele, o tempo perde a dimensão enquanto suas mãos e pés estão na terra:
- Mexer com a terra é tudo para mim.
Enquanto conversa, não liga para as pessoas que cruzam pela calçada em frente ao terreno emprestado onde planta. Lamenta que a aposentadoria não cubra os gastos, principalmente com remédios, mas ressalta que o manejo com a terra o mantém feliz.
Hobby que ajuda a manter a casa
Com uvas tipo isabel e bordeaux para o tinto e niágara para o branco, o aposentado Egídio Paludo produz o suficiente para uma pequena mas satisfeita clientela. Em meio a moedores, tonéis de inox e barris de carvalho, tem no hobby mais uma renda extra, que complementa, ainda, organizando e vendendo quilos de papelão a recicladores.
Criativo, na horta que tem perto a sua casa, Paludo desenvolveu um sistema de irrigação que funciona com a inclinação do terreno. Observador, a fim de não depender apenas da gravidade, instalou uma bomba para que a produção não se perca nos períodos de seca.
A produção artesanal de vinho, no que Paludo investe há mais 15 anos, conta com uma microvinícola. Tonéis de 2 mil e de 600 litros dividem espaço com os barris no porão da família, que tem um parreiral em frente a casa:
- Mas essas servem só para comer e dar sombra - garante.
A água do vinho e da casa é de um poço artesiano localizado perto da calçada. As garrafas são envasadas, fechadas e lacradas manualmente para uma diminuta clientela que, garante Paludo, é exigente e leva a produção, às vezes, em dúzias. A tendência, afirma, é, mesmo a contragosto, parar de produzir a bebida, que toma muito tempo. Ainda assim, gostaria de não parar, mas não vê como continuar.
A iniciativa de Paludo encanta moradores e visitantes da região, que se surpreendem ao ver hortas tão bem cuidadas em meio ao concreto. Quem sabe, espera Paludo, seu exemplo incentive medidas semelhantes em outras regiões.
Querido pela vizinhança
O trabalho que executa é reconhecido pelos vizinhos. No meio da conversa, sem interrompê-la, são muitos "boa tarde, seu Paludo", "como está a plantação?" e tantos outros acenos até que um senhor para. Leocir Zambiasi, morador do Jardim do Lago, puxa uma conversa com Paludo. Ele conta que conhece o agricultor há 30 anos e, inclusive, que Paludo já plantou em um terreno seu.
- É de se admirar alguém como ele. Além do vigor e do gosto pelo trabalho, é uma ótima pessoa. Honesto e exemplar - conta Zambiasi.
Às vezes, o aposentado esmorece na conversa, principalmente quando recorda a perda dos dois filhos homens, em 2011, que, vítimas de câncer, morreram em um período de 35 dias. Cansado, reclama do peso da idade e da falta de ajuda, mas, ainda assim, tem forças para cuidar das hortas todos os dias e, nas horas vagas, produzir vinho artesanal.