
Após postar uma fotografia do momento em que pega seu filho João, recém-nascido, nos braços, a artista mineira Simone Silva, 30 anos, recebeu um recado: "A sua foto foi denunciada por violar os padrões da comunidade do Facebook sobre nudez e pornografia. Nós iremos remover a sua foto se determinarmos que ela viola esses padrões".
Na fotografia, o bebê que Simone segura tapa todas as suas partes íntimas. Nada exposto, mas, ainda assim, a imagem colocou seu perfil pessoal na mira do Facebook. Outras dezenas de mulheres - consideradas mais ousadas - expõem sem medo sua nudez ao parir.
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- É a natureza, é o corpo feminino no melhor dos seus momentos - opina a artista.
Ela faz parte de um grupo de quase 600 pessoas que participam do movimento Parir Não é Pornô - uma espécie de protesto virtual, que ganhou força nos últimos dias, contra a censura às fotos de parto normal ou natural.
- Nada é mais natural que uma mulher trazendo ao mundo uma nova vida. Nesse sistema cesarista que existe hoje em dia, cada mulher que consegue parir é uma vitória. Parir é empoderamento, é vida. Não é e nem nunca vai ser pornografia - escreveu a criadora do grupo, Aline Martins.
De acordo com um estudo do Ministério da Saúde em parceria com a Unicef Brasil, coordenado pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o Brasil tem a mais alta taxa de cesarianas do mundo: 54%, sendo que o índice recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de, no máximo, 15%.
Aos 28 anos, Aline, cabeleireira gaúcha, mãe de dois e militante do parto humanizado, teve fotos e vídeo do nascimento de sua filha Ísis denunciados por usuários da rede.
- Conseguimos que o Facebook não mais excluísse nossas fotos amamentando nossos filhos e agora vamos lutar para que sejam permitidas fotos de mulheres parindo seus bebês. Não tem nada de pornográfico, apenas não há como parir de roupa.
A estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Tainã Soares, 24, publicou no grupo as fotos do parto domiciliar de Sofia, sua filha caçula. Ainda não foi censurada, mas não vai se surpreender se acontecer:
- Vejo a censura como fruto da nossa própria sociedade, que tende a colocar empecilhos a tudo que é natural, criando tabus em relação à feminilidade. O ciclo feminino acabou se tornando centro de polêmica: é feio, nojento, deve ser guardado a sete chaves. Então o nosso movimento é reacender essa luta, voltar a ver o parto e a amamentação como coisas belas.
Doula e ativista da causa, a paranaense Tainara Andrade, 19, considera as denúncias um retrato da hipocrisia.
- É um absurdo removerem fotos de partos enquanto imagens e vídeos de mulheres semi-nuas correm pelo Facebook. Eles vão ter que se acostumar. Vamos continuar postando fotos desse momento maravilhoso até conseguirmos que sejam respeitadas - afirma.
De acordo com a psicóloga Conceição Gama, o desconforto que as imagens causam a algumas pessoas é reflexo de uma postura social machista - e a criação de um grupo de apoio, mesmo que virtual, dá força às gestantes para encarar todos aqueles que acham que o nascimento de um bebê é sinônimo de cirurgia.
- A mulher pode estar pelada, em poses insinuantes, desde que sejam poses interessantes ao homem. Se o seio é para o bebê e a vagina é para o uso da própria mulher, a situação se torna "nojenta".
Rediscutir o nascimento
Para a coordenadora do Serviço de Obstetrícia do Hospital Fêmina, em Porto Alegre, Sandra Canali, o grupo Parir Não é Pornô vem seguindo uma tendência da sociedade de rediscutir o modo de nascer. Se no ínicio da década o parto era visto como puramente intervencionista, à mercê de médicos, enfermeiros e outras pessoas desconhecidas à gestante, nos últimos dois anos tem sido observado um movimento para reposicionar a mulher como protagonista da história.
Portanto, segundo ela, se é a mulher quem vai parir, é ela que deve decidir onde ter seu filho, de que forma e na companhia de quem. Aliás, de acordo com a OMS, o lugar mais adequado para o parto é aquele em que a mulher se sente mais segura.
- Cada vez mais as mulheres têm optado por ter alguém da família por perto em vez de toda aquela equipe esterilizada, de branquinho. Querem ser a primeira a segurar seu bebê. Querem que ele não ganhe tapinhas, mas seja acolhido. Querem se sentir à vontade para chorar e gritar o quanto quiserem - afirma a médica.
Sobre a publicação das imagens de parto na internet, a obstetra vê como uma forma de chamar atenção à causa, mostrando a outras mulheres que é possível tomar para si o ato de parir - e não deixar para o médico.
- Uma mulher que está parindo está nua, desarrumada, suada, mas está em um dos melhores momentos de sua vida. Em uma realidade em que os nascimentos são, muitas vezes, tratados com imensa impessoalidade, abrir mão da vaidade para mostrar-se é uma forma de lutar pela humanização do parto.
Facebook
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Facebook enviou nota de posicionamento sobre a questão. Dizem: "O Facebook limita a exposição de nudez na plataforma. Assim, dependendo do tipo de imagem (como, por exemplo, a exposição de nu frontal), ela poderá ser enquadrada no contexto de nudez. Nosso objetivo sempre foi atingir um equilíbrio entre os interesses das pessoas que querem se expressar na rede com os dos que não querem ver alguns tipos de conteúdo."
No item "Nudez e pornografia" da lista de padrões da comunidade do Facebook, a rede social afirma que almeja "respeitar o direito das pessoas de compartilhar conteúdo de importância pessoal, sejam fotos de uma escultura, como Davi de Michelangelo, ou fotos de família da amamentação de uma criança". Não há referência em específico à restrição ou permissão de imagens de partos normais e naturais.