
O grupo de índios caingangues que, na tarde de sábado, teria invadido o posto da Brigada Militar (BM) em Iraí, cidade agrícola e turística de 8 mil habitantes na barranca do Rio Uruguai, no norte do Rio Grande do Sul, vai responder a inquérito na Polícia Civil por sequestro, cárcere privado e roubo. Na ocasião, os caingangues teriam desarmado e levado à força para a reserva indígena dois policiais militares, um carro-patrulha e outros equipamentos da BM.
A ação dos índios aconteceu 40 minutos depois que um veículo de uma das famílias caingangues foi parado em um barreira de trânsito da BM, na Avenida Flores da Cunha. Por estar com os impostos atrasados, o carro foi apreendido. Houve um desentendimento entre os índios e os dois policiais militares da barreira. No confronto, os brigadianos ficaram feridos e dois caingangues foram baleados: o estudante universitário Walter dos Santos, 26 anos, e um adolescente, de 17 anos. Na manhã de domingo, todos estavam bem.
- Eu estou legal. Ainda um pouco confuso com a situação toda - falou Santos, que foi ferido a tiros em uma das pernas e se recupera, depois de uma cirurgia, no Hospital de Caridade de Erechim.
A briga entre índios e brigadianos na barreira durou pouco mais de 15 minutos. No final, os policiais militares saíram do local, e os indígenas feridos foram socorridos.
O ataque ao posto da BM
A notícia do que ocorreu na barreira chegou rápido na reserva indigena, onde vivem 170 famílias em 270 hectares. Os índios embarcaram em três veículos e foram até o posto da BM, onde estavam outros dois policiais militares. Há pelo menos duas versões para o que aconteceu ali. Na versão de uma das lideranças caingangues, Celso Jacinto, os índios foram até o posto registrar a ocorrência do que havia ocorrido na barreira.
- Os dois policiais militares que estavam lá fecharam as portas do posto e se recusaram a fazer o registro - relatou Celso.
A atitude teria causado a revolta dos índios, que agiram levando outros dois brigadianos e os equipamentos da BM para a reserva com o objetivo, segundo Celso, de chamar atenção das autoridades para o episódio da barreira.
Na versão de testemunhas e dos brigadianos, os índios atacaram o posto, imobilizaram os dois policiais militares e os conduziram até a reserva. Os dois policiais foram levados para a reserva por volta das 17h e trancados dentro de um prédio. A agitação entre os caingangues era muito grande. Enquanto isso, tropas da BM chegavam na cidade e reforçavam o patrulhamento.
A situação foi controlada pela perícia das lideranças, explica Maryjara Mazzocato Dazzi, chefe do escritório da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Iraí. A negociação pela libertação dos dois brigadianos e a devolução dos equipamentos da BM foi longa e complicada. Participaram dela Maryjara, o cacique da tribo, Jacir Jacinto, e oficiais da BM, entre eles o major Alexandre Moreira Pereira, comandante do 37º Batalhão de Polícia Militar (37º BPM), responsável pela segurança de Iraí e de outras 29 cidades de região.
Libertação dos reféns e efeito colateral
No final da noite de sábado, os dois brigadianos do posto foram libertados pelos índios e os equipamentos da BM devolvidos. No início da manhã de domingo, a tropa que havia reforçado a segurança em Iraí foi retirada da cidade.
- Hoje (domingo) a situação está calma na cidade - afirmou o major.
O que aconteceu na barreira de trânsito será apurado por um Inquérito Policial Militar (IPM), afirmou o major Moreira. Os dois episódios, o confronto na barreira de trânsito e o do posto da BM, deverão ser investigados pela Delegacia de Polícia Civil de Iraí.
- No caso do posto, o grupo de indigenas que levou para a reserva os brigadianos e os equipamentos vai responder por sequestro, cárcere privado e roubo - informou o comissário Pedro Evaldo Wink.
Os indigenas de Iraí e os agricultores não estão envolvidos em disputas por terras. Mas, nas cidades vizinhas, caingangues e produtores estão em conflito agrários, e o clima é muito tenso. Em abril, por exemplo, dois agricultores foram mortos a tiros e pauladas pelos indígenas em Faxinalzinho, pequena cidade agrícola a 80 quilômetros de Iraí.
- Estão tentando apagar fogo com gasolina - diz, sobre os acontecimentos em Iraí, o cacique Roberto Carlos Santos, envolvido em uma disputa de terras com agricultores em Rio dos Índios, em Vicente Dutra, município da região de Iraí.