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Combate à obesidade

Parlamentares lançam mão de decreto pouco usual para liberar venda de inibidores de apetite

Medida anula resolução da Anvisa que proíbe a venda de anfetaminas nas farmácias, desagrada governo e reacende polêmica iniciada em 2011

charles Guerra / Agencia RBS

Deputados e senadores resolveram interferir num assunto de saúde pública, às vésperas das eleições, mandando liberar a venda de inibidores de apetite que estão proibidos desde 2011. Por meio de um projeto de decreto legislativo, votado na terça-feira, o Senado derrubou a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que veta a comercialização de medicamentos emagrecedores à base de anfetamina.

Chamou a atenção o fato de o Congresso ter se utilizado de um projeto de decreto legislativo - instrumento extremo, raro, que dispensaria a aprovação presidencial para vigorar - em um tema científico e que não é de urgência. Autor do projeto, o deputado gaúcho Beto Albuquerque (PSB), candidato a vice na chapa de Marina Silva, defendeu a ideia:

- A Anvisa proibiu, mas não ofereceu outra solução.

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Beto diz que se reuniu com diretores da Anvisa, em vão, para debater alternativas. Consultou renomados especialistas, ouviu pacientes e soube que obesos graves estavam importando anfetaminas ou recorrendo ao mercado ilegal para se tratarem.

- A Anvisa se manteve irredutível. Ouvimos o grito de milhares de obesos - disse o candidato a vice-presidente da República.

Apesar de esmagadora, a votação não foi unânime. A deputada Erika Kokay (PT-DF) observou que a Anvisa somente cumpriu suas funções e não cometeu "exorbitâncias", o que justificaria o decreto legislativo. Lamentou que a Câmara invadiu atribuições alheias, sem ter capacidade técnica para tanto, favorecendo os interesses da indústria farmacêutica.

- O decreto não protege os obesos. A contrário, põe a saúde deles em risco - avisou Erika.

 Ex-ministro fala em lobby da indústria farmacêutica

O senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde, destacou o "lobby violento" das multinacionais que fabricam os inibidores. Disse que o decreto é um "equívoco", porque a Anvisa não extrapolou suas atribuições.

- Se a comunidade médica não chega a um consenso, se outros países proíbem, como é que o parlamento brasileiro se arvora à condição de dizer que o medicamento pode ser liberado? - protestou.

Beto Albuquerque respondeu que jamais consultou a indústria farmacêutica. Disse que o senador Costa "anda com a língua solta", em razão das eleições e da queda do PT nas pesquisas de opinião.

Embora polêmica, a decisão pode ser legal. O professor de direito constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Eduardo Carrion, disse que está amparada no Artigo 49 da Constituição, que trata das competências exclusivas do Congresso. No inciso quinto, consta que o Legislativo pode sustar atos normativos do Poder Executivo, se forem considerados exorbitantes. Mas o decreto não é definitivo. Carrion afirmou que a Anvisa pode questionar a sua constitucionalidade. A disputa, então, acabaria no Supremo Tribunal Federal (STF).

O Ministério da Saúde não quis se manifestar se irá apelar ao Judiciário. A Anvisa anunciou que poderá criar novas regras para a venda de anfetaminas. A volta dos medicamentos às prateleiras pode demorar pelo menos seis meses. Se o projeto for promulgado, será suspensa a resolução da Anvisa que proíbe a venda. No entanto, as indústrias terão de fazer novo registro dos produtos que pretendem comercializar, comprovando eficácia e segurança.

Entidades de saúde defendem volta da venda dos remédios

Enquanto profissionais defendem a proibição sob o argumento de que as substâncias podem causar dependência e não funcionam em perda de peso a longo prazo, a liberação foi vista com bons olhos por diferentes entidades médicas. Para Durval Ribas Filho, médico nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), esses remédios são fundamentais para o tratamento de um número muito elevado de pacientes obesos, que necessitam de inibidor de apetite. Conforme a associação, grande parte destes medicamentos já é liberada em mais de 80 países, entre eles Estados Unidos, México, toda a América Central, Argentina, Chile, Austrália, países da Europa e Ásia.

- É preciso ressaltar que a recomendação médica e o acompanhamento são fundamentais para esses pacientes - aponta o médico Ribas Filho.

À época da proibição, o diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, argumentou que estudos indicavam que as substâncias causavam riscos à saúde e que não havia comprovação científica de sua eficácia. Para José Hiran da Silva Gallo, diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina (CFM), inúmeros estudos comprovam que pacientes podem se beneficiar dos remédios, desde que prescritos por profissionais qualificados. O especialista critica que, até então, a fiscalização sobre a venda não era correta e, por isso, muitas pessoas consumiam as substâncias sem uma orientação adequada:

- Qualquer tipo de remédio pode causar efeito colateral. Por isso ,é necessário o acompanhamento médico e fiscalização rígida. Ao tirar os remédios do mercado, você prejudica a sociedade em geral.

*Zero Hora

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