
Embora o número de denúncias de tráfico de mulheres tenha crescido 15 vezes no país nos últimos dois anos, o crime ainda é notificado e combatido de maneira precária no Brasil, informa estudo. A principal crítica é a ausência de uma política de Estado para o enfrentamento das ocorrências e o atendimento às vítimas.
A análise integra um relatório de monitoramento da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta sexta-feira. A publicação contou com a participação de 13 organizações de defesa da mulher.
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No estudo, as ONGs afirmam que, apesar de o Brasil ter se comprometido com a ONU para prevenir e punir o tráfico de pessoas em 2005, o acordo não configura uma política de Estado, pois "não compromete os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nem estados e municípios". Com isso, segundo a pesquisa, as ações para o enfrentamento do crime ainda ocorrem de forma pontual e têm curta duração.
De acordo com o relatório, o desafio do país é obter informações oficiais sobre o tráfico de pessoas, já que os dois levantamentos apresentados no último ano foram classificados como "inconsistentes". Para as organizações de defesa da mulher, a ausência de dados sugere a "falta de sistematização das informações ou de envolvimento com a problemática" do governo.
Apenas no Disque 180, canal do governo federal para atendimento às mulheres, o número de denúncias de tráfico de pessoas aumentou 15 vezes nos dois últimos anos. Dados divulgados pela Secretaria de Políticas Para as Mulheres da Presidência da República no final de 2013 mostraram que, de janeiro a junho, o Disque 180 recebeu 263 denúncias do crime, contra 17 no mesmo período do ano anterior. As denúncias resultaram em operações da Polícia Federal que resgataram pelo menos 40 mulheres exploradas sexualmente na Espanha.
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Na época da divulgação dos dados, a coordenação do Disque 180 atribuiu o aumento de denúncias à maior visibilidade que o crime ganhou devido a ações governamentais e a exposição na mídia, como em uma novela. No estudo de monitoramento da Cedaw, no entanto, as ONGs de defesa da mulher afirmam que essas denúncias "não expressam a realidade do tráfico de pessoas" no país.
O relatório informa que o episódio de retirada de mulheres consideradas traficadas do entorno das obras de Belo Monte em 2013, no Pará, expõe a ocorrência de tráfico interno de mulheres e meninas e lacunas na rede de atenção integral, pois elas "tiveram apenas o primeiro atendimento, sem envolvimento das demais políticas sociais". Outro caso citado no estudo foi o da presença de bolivianas e paraguaias nos complexos do Rio Madeira, em Rondônia, e nas destilarias do Mato Grosso do Sul. Essas mulheres, segundo a pesquisa, são "devolvidas" aos seus países pela polícia brasileira "sem a garantia dos direitos migratórios ou proteção às vítimas de tráfico".
Para as organizações de defesa da mulher, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) ainda não realizam de forma articulada o atendimento às mulheres e meninas em situação de tráfico, assim como os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas). Nesses locais, segundo o estudo, as situações de exploração sexual ainda são pouco frequentes, pois o foco está nos casos de abuso sexual intrafamiliar.
Cedaw completa 35 anos no mundo e 12 no Brasil
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher completa 35 anos em 2014, mas apenas em 2002 o país ratificou a legislação. Foi apenas a partir dessa ratificação que o governo se comprometeu a atender as recomendações da ONU e enviar relatórios periódicos à organização sobre suas políticas públicas de atenção às mulheres.
O relatório divulgado nesta sexta-feira contém as respostas do governo às recomendações da Cedaw, a análise de 13 organizações de defesa da mulher sobre as ações voltadas ao gênero e artigos sobre direitos das mulheres. Divulgada em Porto Alegre, a publicação é o segundo volume escrito pelo projeto de monitoramento da convenção.
As organizações que produziram o estudo foram: Coletivo Feminino Plural; Comitê da América Latina e do Caribe para os Direitos da Mulher (Cladem/Brasil); Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (NIEM/UFRGS); Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos; Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras; Associação Casa da Mulher Catarina; Comissão de Cidadania e Reprodução; ECOS Comunicação em Sexualidade; Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero; Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável/CO; Instituto Mulher pela Ação Integral à Saúde e Direitos Humanos (IMAIS); Plataforma DHESCA Brasil e THEMIS Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero.